O início do processo
Fernando Pessoa é conhecido como o
poeta das mil faces. Sua marca mais expressiva é a criação dos seus
heterônimos, criou mais de 70. Fernando Pessoa é considerado o maior poeta
português do século XX e o maior após Camões. Há teóricos que acreditam
fielmente que ele superou o grande criador dos Lusíadas com a obra Mensagem e há quem diga que Pessoa não
passou de mais um poeta dentre tantos no mundo literário. Nossa opinião a cerca
disso é que, Fernando Pessoa é o Grande poeta da Língua Portuguesa. Entendendo
que, poeta na essência da palavra vem do grego poievw criar, transformar, fabricar, podemos
perceber que a raiz da palavras poesia e poiéu são muito próximas e marca o
propósito do poeta para os gregos no período clássico. Logo, afirmamos que
Pessoa é o grande criador de seu tempo porque criou uma literatura distinta e
transformou a Literatura Portuguesa e quiçá mundial.
Em alguns escritos seus, encontramos
a seguinte afirmação do poeta: “A poesia não deve ser entendida ele deve ser
sentida em sua essência. O mistério não deve ser desvendado mas, sim,
aceitado.” Toda a Literatura do poeta/criador calca-se nesse princípio, na
necessidade de se sentir a poesia. Afinal, porque a obrigatoriedade de se
querer entender, explicar as palavras e a sua criação quase que por métodos
científicos, se as palavras por elas já dizem tudo? A palavra deve ser sorvida
em sua essência.
No entanto, apesar dessa força
criadora ser parte do poeta e o poeta parte da força criadora, em seu tempo
isso criou um choque geral em todos os leitores portugueses, fazendo com que
muitas vezes o poeta fosse incompreendido. A repercussão da poesia só terá o
valor merecido depois de sua morte. Notamos isso, em críticas póstumas, que
acrescentaremos ao trabalho adiante, destinadas ao poeta que retratam a
importância do seu único livro publicado em vida, Mensagem.
Sendo assim, como dissemos
no início, Fernando Pessoa é o poeta das mil faces, sua poesia é muito distinta
e segue preceitos muito peculiares. Aceitar e, sobretudo, entender o que é
distinto não é simples, se por vezes ele não foi aceito, na contemporaneidade suas
obras são o motivo de muitos aprendizes quererem se dedicar a literatura,
justamente pelo distinto, que é presente, nas poesias pessonianas. Nosso
trabalho se propõe explicitar esses aspectos, na obra Mensagem. Para isso,
utilizamos como livro base Mensagem, poemas esotéricos; edição crítica de José
Augusto Seabra. Selecionamos as epígrafes, que estão em latim, e as poesias que
mais retomam o caráter histórico de Portugal e fundação da Língua Portuguesa
por 3 grandes grupos temáticos:
Ø Epígrafes
Ø Brasão
·
Ulysses e a fundação mítica de Portugal.
(página 17)
·
Viriato, império Romano. (página 18)
·
O conde D. Henrique (página 19)
·
D.Tareja (página 20)
·
D.Fernando, infante de Portugal.
Selecionamos esse poema porque demonstra as 6 modificações sofridas no poeta do
autor. (página 23).
Ø Do
Mar Português
·
O Infante. É marco de toda a obra e,
talvez, seja por isso que está no meio. (página 47)
·
Mar Português e glória de Portugal.
(página 58)
Ø O
Encoberto
·
D. Sebastião. (página 67)
·
As ilhas afortunadas (página 70)
·
Nevoeiro. Fechamento de todo o conjunto
da obra. (página 86)
·
Conclusão
Portanto,
esperamos que Mensagem ressoe no trabalho não como pura e simplesmente mensagem
que parte para um destinatário, mas que expresse a riqueza semântica e os
planos diversos da significação. Mensagem para quem e o dizer do que?
Quem Foi Fernando
Pessoa?
Fernando António Nogueira Pessoa nasceu em 1888, em Lisboa, aí morreu em
1935, e poucas vezes deixou a cidade em adulto, mas passou nove anos da sua
infância em Durban, na colônia britânica da África do Sul, onde o seu padrasto
era o cônsul Português. Pessoa, que tinha cinco anos quando o seu pai morreu de
tuberculose, tornou-se num rapaz tímido e cheio de imaginação, e num estudante
brilhante.
Pouco
depois de completar 17 anos, voltou a Lisboa para entrar no Curso Superior de
Letras, que abandonou depois de dois anos, sem ter feito um único exame.
Preferiu estudar por sua própria conta na Biblioteca Nacional, onde leu livros
de filosofia, de religião, de sociologia e de literatura (portuguesa em
particular) a fim de completar e expandir a educação tradicional inglesa que
recebera na África do Sul.
A
sua produção de poesia e de prosa em Inglês foi intensa durante este período, e
por volta de 1910, já escrevia também muito em Português. Publicou o seu
primeiro ensaio de crítica literária em 1912, o primeiro texto de prosa
criativa (um trecho do Livro do Desassossego) em 1913, e os primeiros poemas de
adulto em 1914.
Vivendo por vezes com parentes, outras vezes em
quartos alugados, Pessoa ganhava a vida fazendo traduções ocasionais e redação
de cartas em inglês e francês para firmas portuguesas com negócios no
estrangeiro.
Embora
solitário por natureza, com uma vida social limitada e quase sem vida amorosa,
foi um líder ativo da corrente modernista em Portugal, na década de 1910, e ele
próprio inventou alguns movimentos, entre os quais um “Interseccionismo” de
inspiração cubista e um estridente e semi-futurista “Sensacionismo”. Pessoa
manteve-se afastado das luzes da ribalta, exercendo a sua influência, todavia,
através da escrita e das tertúlias com algumas das mais notáveis figuras
literárias portuguesas.
Respeitado
em Lisboa como intelectual e como poeta, colaborou regularmente publicando
regularmente o seu trabalho em revistas. Liderou a revista
Orpheu e colaborou em outra como Portugal Futurista, Centauro, Athena,
Presença. Mas o seu gênio
literário só foi plenamente reconhecido após a sua morte.
No
entanto, Pessoa estava convicto do próprio gênio, e vivia em função da sua
escrita. Embora não tivesse pressa em publicar, tinha planos grandiosos para
edições da sua obra completa em Português e Inglês e, ao que parece, guardou a
quase totalidade daquilo que escreveu.
Em 1920, a mãe de Pessoa, após a morte do segundo
marido, deixou a África do Sul de regresso a Lisboa. Pessoa alugou um andar
para a família reunida – ele, a mãe, a meia irmã e os dois meios irmãos –
na Rua Coelho da Rocha, n.º 16, naquela que é hoje a Casa Fernando Pessoa. Foi,
neste momento, que Pessoa passou os últimos quinze anos da sua vida –
convivendo muito com a mãe, que morreu em 1925, e com a meia irmã, o cunhado e
os dois filhos do casal (os meios irmãos de Pessoa emigraram para a
Inglaterra), embora também passasse longos tempos na casa sozinho. Familiares
de Pessoa descreveram-no como afetuoso e bem humorado, mas muito reservado.
É
bem verdade que, ninguém fazia ideia de quão imenso e variado era o universo
literário acumulado na grande arca onde ia guardando os seus escritos ao longo
dos anos.
O
conteúdo dessa arca – que hoje constitui o Espólio de Pessoa na Biblioteca
Nacional de Lisboa – compreende mais de 25 mil folhas com poesia, peças de
teatro, contos, filosofia, crítica literária, traduções, teoria linguística,
textos políticos, horóscopos e outros textos sortidos, tanto dactilografados
como escritos ou rabiscados ilegivelmente à mão, em Português, Inglês e
Francês. Pessoa escrevia em cadernos de notas, em folhas soltas, no verso de
cartas, em anúncios e panfletos, no papel timbrado das firmas para as quais trabalhava
e dos cafés que frequentava, em sobrescritos, em sobras de papel e nas margens
dos seus textos antigos. Para aumentar a confusão, escreveu sob dezenas de
nomes, uma prática – ou compulsão – que começou na infância.
Neste contexto, chamou heterônimos aos mais importantes
destes “outros eus”, dotando-os de biografias, características físicas,
personalidades, visões políticas, atitudes religiosas e atividades literárias
próprias, neste joguete criou mais de 70 heterônimos. Algumas das mais memoráveis obras de
Pessoa escritas em Português foram por ele atribuídas aos três principais
heterônimos poéticos – Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos – e ao
«semi-heterônimo» Bernardo Soares, enquanto muitos poemas e alguma prosa em
Inglês foram assinados por Alexander Search e Charles Robert Anon. Jean Seul, o
solitário heterónimo francês, era ensaísta. Os muitos outros alter-egos de
Pessoa incluem tradutores, escritores de contos, um crítico literário inglês,
um astrólogo, um filósofo, um frade e um nobre infeliz que se suicidou. Havia
até um seu «outro eu» feminino: uma pobre corcunda com tuberculose chamada
Maria José, perdidamente enamorada de um serralheiro que passava pela janela
onde ela sempre estava, olhando e sonhando.
Fernando Pessoa é considerado um dos
grandes mestres da literatura portuguesa do século XX e o maior após Camões, no
entanto, as opiniões divergem. Levando ao extremo a introspecção, criou os
heterônimos, com o objetivo de empreender uma viagem rumo ao conhecimento de
todo o universo.
Dados do Livro
A principal obra de "Pessoa
ele-mesmo" é Mensagem,
uma coletânea de poemas sobre os grandes personagens históricos portugueses. Na
obra, Fernando Pessoa expressou por outras palavras a necessidade de provocar,
de lutar contra as adversidades, de não ter medo de ir contra a corrente e de
defender o que se acha justo e perfeito:
“Para
passar o Bojador
Há
que passar além da dor
Deus
ao mar o perigo e o abismo deu
Mas
também foi nele que espelhou o céu.”
Em uma ode patriótica composta entre
1920 e 1930 intitulado Mensagem, o poeta Fernando Pessoa imaginou a
Europa como um corpo de mulher. Estendida, tinha ela um dos seus cotovelos, o
direito, fincado na Inglaterra e o outro, o esquerdo, recuado, na Península
italiana, cabendo a Portugal ser o rosto nesta hipotética figuração. Pode não
ter sido o rosto, mas a posição geográfica de Portugal, pequena faixa de terra
voltada para a imensidão do Oceano à sua frente, condicionou seu destino por
quase cinco séculos.
Contudo, Mensagem nada
mais é do que Portugal virado para a Europa, mas da sua orla, do seu Atlântico
feito universalidade. É um livro com uma finalidade universalista, como se pode
perceber pelo que foi dito antes. Um poema trinitário, onde se propõem uma
síntese – o cerne da nobreza; uma antítese – a posse do mar; e uma síntese – a
futura civilização intelectual. Resumo de oito séculos, não é só poesia que
exalta, mas sobretudo poesia que obscurece para iluminar, pelas regras dos
alquimistas.
Visto dessa forma, seria
inerente a tentação de aproximar Mensagem
de Os Lusíadas é tanto mais
irresistível quanto é sabido que Pessoa nunca escondeu o seu desejo de
suplantar Camões e o seu Poema por uma outra visão do destino português, ao
mesmo tempo mais profunda e mais universal. Há quem acredite que realmente foi
apenas uma tentativa, pois as oitavas camonianas continuariam a celebrar, no
espaço sem morte do Poema incomparável, os feitos marítimos e guerreiros de
romanos do século XVI, tais como como Camões os tinha vivido e posto em cena.
Contudo, já no tempo da sua escrita Os
Lusíadas revelavam mais da memória que do eco transfigurado do presente.
Com o tempo a epopeia tornou-se memorial e o Portugal nela evocava um fantasma
que roubava o presente e impedia que os portugueses dessem ao futuro as cores
de um sonho que não fosse apenas o de um povo no tempo, mas o tempo de um povo
assimilado à Humanidade inteira. Esta conversão de uma mitologia, filha da
História e nela sepultada, em visão transcendente de um Império puramente
espiritual, de que os avatores do destino português teriam sido apenas o
anúncio e a versão empírica e temporal, encontrou a sua expressão acabada,
precisamente em Mensagem.
Único livro de poemas em português
publicado em vida, um ano antes de sua morte, como se fosse um testamento. Mensagem atraiu para Fernando Pessoa
aplausos ambíguos, cujo eco não se extinguiu ainda. Tomado como se fosse uma
bíblia Mensagem tornou-se,
rapidamente um livro quase “popular”.
Observamos isso na seguinte
estrutura:
1. Os
poemas do livro estão organizados de forma a compor uma epopeia fragmentária, o
conjunto dos textos líricos formula, como já dito anteriormente, um elogio
épico a Portugal. Apresenta um forte nacionalismo místico de caráter sebastianista.
2. Presença
considerável de símbolos. Poeta-filósofo, Poeta-mágico e Poeta alquimista, dá
Pessoa à Mensagem uma estrutura
rigorosa e termos simbólicos presente em toda a obra, em cada parte existe um
simbolismo ou signo específico como veremos mais a frente.
3.
Retomada ao classicismo, Fernando
Pessoa em 1920, delineou a retomada ao classicismo da seguinte maneira: “...
ideia de um poema épico representando as navegações e descobertas dos
Portugueses como provenientes da guerra entre velhos e novos deuses ...” o
poeta refere-se nesse fragmento a Íliada e à Vida de Hyperion de Keats.
4. O
livro Mensagem está
dividido em três grande partes ou épocas: O Brasão, como primeira parte,
representando em símbolo a nobreza na sua essência. Essa nobreza age no passado
na segunda parte, O
Mar Português e
no futuro na terceira, O Encoberto. Cada dessas três partes
correspondem-se em termos lusíadas, às Idades do Pai (presença do simbolismo).
Pessoa poderia querer aludir a trindade: Pai(fundadores da nação portuguesa) ,
filho (os que recolheram a herança e desbravaram os mares) e espírito (ainda
que não veio, embora tenha sido anunciada, do Espírito encoberto que espera o
Desejado).
5. Epígrafes:
três elocuções em latim acompanham cada parte, possível retomada ao latim, que
ainda era muito utilizado na época dos fundadores de Portugal, que são esses: Bellum
sine bello para
a primeira, ou seja, Guerra sem Guerrear, potência sem ato, a parte que se
mantém sempre eterna, como nobreza e caráter. Possesio Maris para
a segunda, ou seja, a nobreza que toma e possui com um ato, mas que com esse
ato não se esgota minimamente – apenas é uma posse do mar, o ter e não o ser. É
na terceira parte, na Pax
in Excelsis, paz nas alturas, em que o homem se ultrapassa finalmente a si
mesmo e se realiza plenamente no que sempre foi.
6. As datas dos poemas foram acrescentadas pelo
próprio autor no exemplar da edição original. Contudo, dos quarenta e quatro
poemas do autor, ainda há doze poemas que não foram datados, não apresentando
dia, mês e ano. Existem onze poemas datados de 1928, nove são de 1934, três são de 1933, dois, de
1918 e de 1930 e encontra-se um dos anos: 1913,1922,1929. Dois poemas foram
escritos na passagem de ano – ou em ano diferentes: 1921-22, 1933-34, de acordo
com José Édil de Lima Alves,em A Moderna
Épica Portuguesa em Mensagem.
O poema mais antigo de Mensagem é de 21.07.1913,
distanciando-se vinte e um ano do mais recente, datado de 02.04.1934. Esse
distanciamento de tempo entre os poemas nos revela o processo árduo de maturação por que passou Mensagem.
Segue abaixo os poemas datados:
·
O dos
Castelos,08-12-1928;
·
O das
Quinas,08-12-1928;
·
Viriato,22-01-1934;
·
D.Tareja,24-09-1928;
·
D.Dinis,09-02-1934;
·
D.João o
Primeiro,12-02-1934;
·
D.
Filipa de Lencastre,26-09-1928;
·
D.Duarte,
Rei de Portugal,26-09-1928;
·
D.
Fernando, Infante de Portugal,21-07-1913;
·
D.
Pedro, Regente de Portugal,15-02-1934;
·
D. João,
Infante de Portugal,28-03-1930;
·
D.
Sebastião, Rei de Portugal,20-02-1933;
·
Nunálvares
Pereira,08-12-1928;
·
O
Infante D.Henrique,26-09-1928;
·
D. João
o Segundo, 26-09-1928;
·
Afonso de
Albuquerque, 26-09-1928;
·
Padrão,
13-09-1918;
·
O
Mostrengo, 09-09-1918;
·
Os
Colombos, 02-04-1934;
·
Ascensão
de Vasco da Gama, 10-01-1922;
·
Prece,
31-12-1921/ 01-01-1922;
·
O Quinto
Império, 21-02-1933;
·
O
Desejado, 18-01-1934;
·
As Ilhas
Afortunadas, 26-03-1934;
·
O
Encoberto, 21-02-1933/ 11-02-1934;
·
O
Bandarra, 28-03-1930;
·
António
Vieira, 31-07-1929;
·
Screvo
meu livro à beira-mágoa, 10-12-1928;
·
Tormenta,
26-02-1934;
·
Calma,
15-02-1934;
·
Antemanhã,
08-07-1933;
·
Nevoeiro,
10-12-1928
Relação com a Língua
Portuguesa
A
língua é o que constrói a identidade de um povo, é o que nos une ao outro e
segundo Azeredo “liberta o homem das situações imediatas, expande para o aqui e
o agora, e expande para o passado e o futuro o cenário em que se passam os
episódios de sua vida”. Com poucas
palavras, nós expressamos um pouco da representatividade e importância para o
ser humano possuir uma língua.
Fernando
Pessoa, era um amante da Língua Portuguesa. Esse dado, fica muito claro não só
em Mensagem, em que ele retrata a fundação de um povo que era movido por ideais
comuns, mas em outras poesias como “ Minha pátria é a língua portuguesa” presente na obra Livro do Desassossego, em que o poeta mostra-se um devoto pela sua Língua. Foi por meio da Língua Portuguesa
que o poeta conseguiu retratar, como Azeredo mesmo diz, o passado que forma
memória do todo. Um povo sem memória não é nada. Pessoa era pleno disso.
Em Mensagem observamos isso através
de cada detalhe que o autor utilizou, o emprego das epígrafes em latim, como um
indicativo da origem da Língua Portuguesa. Sabe-se que ao tratar da fundação
histórica de Portugal muitos dos reis representados na poesia sabiam latim. Ou seja, a Língua
Latina e Portuguesa eram faladas e escritas com muito primor e qualidade.
Também sabemos que a origem da nossa Língua calcou-se no Latim vulgar. Possivelmente,
Pessoa faz uso disso, para primeiramente demonstrar erudição e retomar a
linguagem anterior a Portuguesa. O fechamento com a exortação também em latim
Valete, Fratres é um recurso que o autor utilizou que mantem a ortografia com
visíveis arcadismos, dá um caráter sagrado a obra.
Durante toda a obra observamos a
escrita portuguesa peculiar do século XX de Fernando Pessoa. O poeta
preocupa-se com cada palavra que é utilizada, para tentar expressar um
sentimento frente ao que quer se falar. Na poesia D. Fernando, infante de
Portugal, o poeta fez seis alterações até publicar na tentativa de expressar o
sentimento do rei em questão. Ao mudar o título e, principalmente, as palavras
por várias vezes, compreendemos a importância e a preocupação no significar
para o poeta. Veremos isso na com mais precisão nas análises.
Outra parte da obra que nos chamou
atenção foi na poesia “O infante” em que aparece o seguinte período “O Império se desfez”. Dizer
que o império se desfez, pode ser feita a seguinte inferência: o império
acabou, não existe mais, morreu. O Império morreu mesmo
antes de se cumprir, morreu Infante, porque nunca se poderia cumprir como coisa
material. Pessoa defende um Império Maior, um Império Espiritual, o império que é
verdadeiro, se
assim quisermos. Por isso, que este Império do infante é o Império
Espiritual e será eterno. Era esta a primeira missão cometida
por Deus a Portugal, desvendar o mundo, e ela chegou ao seu termo. Mas
falta ainda tudo. Falta “cumprir-se Portugal”. Sabemos que Portugal era para
Pessoa mais do que apenas a terra que se define dentro dos limites da
fronteira, que Portugal para ele era língua, cultura, espírito e alma. Se ele
diz que falta cumprir-se Portugal, ele quer dizer que falta cumprir-se o
destino glorioso (e imaterial) da alma, já que se desfez o destino material do
corpo. Para Pessoa, a missão
dos portugueses não está cumprida e a conquista do poder dos oceanos não foi
suficiente. Passar a língua e os feitos são uma das missões para cumprir-se o
destino glorioso.
Esses trechos são alguns dentre tantos, em que podemos
observar a questão histórica da língua e sua valorização. Mensagem pode ser considerada uma obra ufanista e nacionalista por
conter, em muitas partes, o louvor a língua portuguesa desde a sua fundação até
o futuro que ainda nem se conhece.
Do título: Mensagem
Por um primeiro instante, Mensagem parece significar apenas missiva com conteúdo e finalidade
ativa de missão, o mensageiro é um missionário, mas um missionário que vai
comunicar algo de preciso e concreto, uma palavra, uma carta, um segredo. Em
tal, sentido, porém, mensagem não é só um transmitir esse algo para o receptor,
seja o que for, seja a quem for, é transmitir um recado de boca a ouvido,
recado que é um mistério e que é segredo e que só será desvendado, mas com fins
operativos, como um repto ou uma carta de prego, a quem estiver em condições de
entende-lo por meio das palavras, pois
Mensagem, exigindo recato, não se confundo com a divulgação generalizada,
de comunicação social.
Para outros receptores da mensagem, particularmente os
portugueses, e outros afins, o livro Mensagem
pode ser captado em diversos planos de entendimento. E é por isso que em si
próprio constitui uma iniciação. Há um segredo dentro de outro segredo, dentro
de outro segredo... De certo modo, sendo uma obra aparentemente clara, é no
entanto um livro hermético. O desvendamento inteiro da obra só pode ser
executado através da empatia, só é dado a um íntimo, só se dá aquele que
partilha das mesmas crenças do eu lírico, incluindo a sabedoria da língua ou a
sabedoria da paideia dentro da qual a mensagem irá ocupar um lugar religioso,
um lugar pontifício ou de ponte entre o inciado maior e o inciado menos. Não é
por acaso que Fernando Pessoa abriu Mensagem com uma epígrafe em latim, e vai
mantendo ao longo de cada abertura de capítulo reforçando o caráter arcádico da
língua e religioso.
Ao título da obra, sabemos que Fernando Pessoa alterou
por várias vezes até chegar ao presente intitulamento da obra, Mensagem foi escolhido não só pela
riqueza semântica mas também pela convergência, nela, de diversos planos de
significação.
É possível que perguntemos: Mensagem de quem? O sujeito na obra mostra-se ambivalente, porque
pode ser a mensagem do poeta, mensagem do ser coletivo português por intermédio
do poeta, um vate do poeta, pode ser uma conjugação da mónada individual, o
poeta com as mónadas coletivas, a nação e a ecúmena, pela intervenção de um
terceiro e misterioso participante, o Deus bendito que nos deu este sinal. O
que fica claro é a existência de uma múltipla possibilidade de sujeitos que
podem ser inferidos antes da leitura da obra e depois, e a cada leitura que é
realizada pelo leitor a multiplicidade vai aumentando. Ou seja, a cada momento
o leitor pode se deparar com outros e outros “mensageiros”.
Em um de seus escritos Pessoa deduziu de sucessivas
decomposições da palavra, em uma busca experimental de étimos ou raízes
recriadas pela sua imaginação operativa:
Ø Ao escrever Mensagem em
cima de Portugal, verificou-se que ambas tem exatamente 8 letras. Segundo a
numerologia, e neste caso essa acepção é possível porque estamos tratando de
Fernando Pessoa que era ocultista e transpassava isso a sua literatura, o oito é
o número da harmonia. No entanto, devemos lembrar também que Pessoa classificou
Mensagem como uma poesia de cunho
templário, reconhecendo que a cruz templária possui oito pontas, se inscrevendo
na charola octogonal do Convento dos Templários ou da Ordem de Cristo, em
Tomar. A cruz de oito beatitudes é a Cruz da Ordem de Cristo, que as caravelas
ostentavam na gesta dos descobrimentos. Nesta linha de raciocínio Mensagem é a
Ordem de Cristo, herdeira da Ordem do Templo, realizando nesta terra a missão
ecumênica de que S. Bernardo, D. Dinis e o Infante D. Henrique foram os
principais representantes ou doutrinários.
Ø A forte presença do
Latim aparece outra vez nos escritos do poeta. Encontramos depois a frase em
Latim, com algumas, letras sublinhadas e sílabas separadas; as 6 primeiras e as
2 últimas foram a Mensagem: MENS
AG/ITAT MOL/EM; é uma citação encontrada na obra Eneida de Vírgilio.
Ou seja, a mente agita
ou move a moles, a massa ou o dique, tudo significados do étimo latino moles.
Há quem diga ainda nos dias atuais: a mole humana, que é a multidão ou a massa,
nas acepções dadas por Gustave Le Bon ou por Ortega y Gassett. Agitar, fazer
mover as massas ou o povo pela mente ou pelo intelecto através do fazer
poético, dá poiésis já dita no início do trabalhado, dando uma significação
dinâmica a Mensagem.
Ø No mesmo papel, em
seguida, encontramos mais apontamentos. Pessoa escreveu MENSAGEM – sublinhando
as três letras que formam a palavra latina ENS e formando com as três últimas
outra palavra: GEMMA. Tendo, portanto, ENS GEMMA.
Ou seja, o Ente em Gema
ou em ovo. O ente pode ser Portugal, cuja essência ou gema, ou virtualidade
ovular irrealizada mas já semi-formulada, será o Portugal templário, joanino,
cisterciense. Mensagem é assim, não a
mensagem do Portugal histórico, mas a mensagem do ovo primordial da nação, da
gema portuguesa. A gema é essencial antes do existencial, o potencial antes do
atual. Aqui aparece o ente lusíada no seu melhor, na sua gemma. Dizemos de um
elite, de um grupo de paradigmas, ou de arquétipos, que constituem a gemma. A
gema de um pátria, são as suas figuras excepcionais, os seus heróis, e seus
gênios, os seus profetas e também os seus arquétipos, os seus mitos e os seus
símbolos.
Ø Em uma outra parte o
Poeta também escreve: MENSA GEMMARUM. Há especialistas que acreditam ser mesa
das gemas, a mesa que ostenta as gemas, as pedras preciosas da nação
portuguesa. Mensagem, nessa acepção, poderia significar: o altar da pátria, o
altar português ao Divino, pleo qual foram sacrificados ou se sacrificaram em
honra e em desgraça, os melhores portugueses, os mais paradigmáticos, os mais
preciosos, os heróis.
Ø Enfim, encontramos mais
uma vez: MENSAGEM mas agora com a 3ª e a 4ª, a
6ª e a 7ª letra cortadas, ficando assim: MEAM e formando com algumas das
restantes outra palavra, GENS. O Poeta neste apontamento solto cortou a última
letra de MEAM.
Temos pois: MEA GENS ou
GENS MEA. Se é assim, quereria Pessoa dizer a Minha gente, ou minha família.
Aparece nesse contexto, minha gente ou a minha família, minha raça, família a
que eu pertenço, raça de heróis e de profetas entre os quais ele faz parte, e
cuja a missão transcendental, assume e deste modo poético e mágico transmitido
e faço agir no tempo de hoje, tempo de nevoeiro, mas tempo em que chegou a Hora.
Sob este aspecto, Pessoa
identifica-se efetivamente com algumas das personagens da Mensagem, sacrificadas física ou espiritualmente na mesa ou no
altar da pátria: pelo menos com D. Fernando, o Infante Santo, herói e mártir do
ideal cavaleiresco português, já que o respectivo poema não é senão uma nova
versão do autobiográfico poema “GLÁDIO”, de 1913; e com o terceiro profeta de
Portugal, depois da Bandarra e de Antônio Vieira, em Os Avisos – pondo ora de
lado a hipóteses da sua presumível identificação com o Encoberto, segundo o
significado astrológico e sebastianista que a certa altura atribuiu ao ano de
1888, data do seu nascimento.
O valor representativo
das epígrafes
É possível constatar quatro
epígrafes latinas ao longo de Mensagem.
A escolha da língua latina foi uma opção proposital de Fernando Pessoa devido
ao fato de o livro se tratar do passado, o mesmo que o nutre. A escolha da
língua latina, então, também confere à obra uma estrutura passada, arcaica.
Logo na abertura da obra, encontra-se a
primeira epígrafe: a epígrafe inicial. As demais estarão presentes no início de
cada uma das partes de que se compõe a obra.
As epígrafes podem ser entendidas
como fórmulas de um mistério da mensagem que não pode ser compreendida
imediatamente. Escritas em latim, essas epígrafes conferem um ar misterioso em Mensagem, assim como também deixam um
caráter solene na obra.
Vejamos a epígrafe inicial:
Ø Benedictus Dominus Deus Noster qui
dedit nobis signum
Traduzindo a epígrafe transcrita,
obtemos: “Bendito [seja] Deus Nosso Senhor que nos deu o sinal”. Ao atentarmos
para o uso de ‘nobis’, marcando a
primeira pessoa do plural, podemos concluir a intenção de Pessoa de incluir todo o povo português. Mas mesmo que já
compreendamos que há o intuito do povo português de fazer um agradecimento a Deus, ainda nos fica o mistério deixado por
‘signum’.
O dicionário Gaffiot nos revela alguns sentidos de signum: marca,sinal,insígnia, bandeira... Diante disso, revela-nos que o uso de signum na epígrafe não é aleatório. O
sentido de signum, que se liga à
bandeira, nos remete ao título da primeira parte da obra: Brasão.
Ao ser desvendado a relação entre signum e Brasão, pode-se contextualizar a epígrafe a um episódio lusitano. A
epígrafe, por se tratar de um agradecimento da Nação a Deus pelo sinal que a
ela foi dado, estabelece uma ligação direta com o milagre ou lenda da Batalha de Ourique.
O milagre ou lenda da Batalha de Ourique conta que um dia
antes da batalha, D. Afonso Henriques estava no campo preocupado com a
quantidade de mulçumanos. Enquanto hesitava diante da batalha, de repente
vê Jesus na cruz que o fala para
guerrear em nome dele e que, fazendo isso, seria vencedor e se tornaria Rei de
Portugal. Esse episódio é um traço marcante na história portuguesa, marcando o
brasão da nação com cinco escudetes que representam as cinco chagas de Jesus.
O Frei Bernardo de Brito afirmou, em
1596, que tinha encontrado no Mosteiro de Alcobaça um documento que relatava a
visão de D.Afonso Henriques. Segue o trecho: “Eu sou o fundador, &
destruidor dos Reynos, & quero em ti, & teus descendentes fundar para
mim hum Império, por cujo meio seja meu nome publicado entre as Nações mais
estranhas.”.
Ao ser estabelecida a relação entre
a epígrafe inicial e a Batalha de Ourique, fica esclarecido a exaltação a Deus
pelo “signum”. O signum revelará o sinal dado por Jesus a D. Afonso Henriques.
Contudo, ainda é válido ressaltar a importância desse sinal para a construção
do Império lusitano. O sinal desencadeou a coragem de D. Afonso, seu reinado e
a formação da glória portuguesa.
Essa tradição lendária, portanto,
estabelece estreita relação com a epígrafe inicial de Mensagem e nos esclarece o seu significado e sua unidade. Pessoa faz alusão ao primeiro rei de
Portugal e estabelece, desde a primeira epígrafe, o conteúdo que será tratado
em sua obra: a Nação Lusitana, sua história e suas conquistas.
Diante disso, a alusão à Batalha de
Ourique pode ser considerada fundamental na formação do Império lusitano. Ao
tratar dessa importante Batalha, nota-se que a intervenção divina se torna o
ápice do acontecimento, sendo a responsável pelo início da história gloriosa
portuguesa.
Assim, o aspecto divino assume importância
tal e Deus deixa de ser uma simples intervenção para se transformar em emissor
da mensagem que se transmite na obra pela sua manifestação no campo da Batalha de Ourique.
As demais epígrafes que antecederão
cada uma das partes da obra relacionam-se intrinsecamente com o que há de vir
como se exercessem a função de introduzir a temática central de cada parte.
Consideremos a epígrafe que antecede
Brasão:
Ø Bellum sine bellum
Podemos traduzi-la “A guerra sem a
guerra”. Sua tradução nos aponta tanto para a consagração do Brasão da nação
conquistado pelos heróis das grandes batalhas, quanto para o passado que já
está morto e se revela em um presente sem guerras.
Desse modo, a epígrafe que antecede
a primeira parte da obra é um oximoro, assim como “Os deuses vendem quando dão”
( O das quinas) e “O mito é o nada que é tudo” (Ulisses). Percebe-se a desconstrução de
um conceito pela construção consolidada de outro.
A segunda parte apresenta como
epígrafe:
Ø Possessio maris.
A sua tradução “ A posse dos mares” introduz perfeitamente a segunda parte do
livro. Pode-se dizer, inclusive, que a epígrafe intitula a parte da obra
destinada às conquistas lusitana dos oceanos, marcadas pelas grandes
descobertas.
Por fim, temos a última epígrafe:
Ø Pax in excelsis
Traduzida como “Paz nas alturas”,
pode ser considerada como um voto pio que revela o desejo transcendental da
volta do “Desejado”. A epígrafe é uma demonstração de fé que faz a nação
lusitana acreditar no regresso de D. Sebastião, o qual construirá o Quinto
Império português, trazendo a glória novamente para Portugal.
Os grupos temáticos
1.
Primeira
parte: BRASÃO
A primeira parte do livro, Brasão, não se estende,
cronologicamente, além do reinado de D. Sebastião. Subdivido em outras cinco
partes: “Campos”, “Os Castelos”, “As Quinas”, “A Coroa” e “O Timbre”, a parte inicial do livro se
destina a fazer um retrato da Pátria Antiga portuguesa.
- Os Campos
Fernando Pessoa distingue dois
campos: ‘O dos Castelos’ e ‘O das Quinas’. O autor não faz isso
aleatoriamente, ele se baseia no próprio brasão português, no qual há um campo
de vermelho, “O dos Castelos”, sobre
o qual está colocado o antigo escudo, as “As
Quinas”.
- Os Castelos
É
interessante destacar a intenção de Fernando Pessoa em correlacionar historicamente os poemas que fazem parte
dessa parte com os antigos impérios. Sendo assim, pode-se encontrar, para cada
castelo presente no brasão português, um poema. O título das poesias se refere
a grandes personagens da história de Portugal, representando as conquistas que
tiveram e a contribuição delas na construção do passado glorioso lusitano.
Ø Primeiro: Ulisses
Este poema remete à fundação mítica
de Ulissipona ou Lisboa pelo herói grego Ulisses. Diante disso, o autor toma
como ponto de partida Ulisses e o coloca como personagem fundamental na
fundação da nação portuguesa.
Ø Segundo: Viriato
O autor propõe com este poema fazer
alusão ao símbolo do espírito de independência dos portugueses.
Ø Terceiro: O Conde D. Henrique
Fernando Pessoa faz alusão ao destino
divino traçado para a glória portuguesa.
Ø Quarto: D. Tareja
Há neste poema a alusão à D. Tareja,
nome arcaico de D. Teresa. D. Tareja é lembrada como aquela que originou a
linguagem real portuguesa. Há
neste poema a alusão à D. Tareja, nome arcaico de D. Teresa. D. Tareja é
lembrada como aquela que originou a linhagem real portuguesa.
Ø Quinto: D. Afonso Henriques
Neste poema, D. Afonso é novamente
aludido na obra de Pessoa,
ressaltando seu valor para a história de Portugal.
Ø Sexto: D. Dinis
O poema remete à D. Dinis como o
grande propiciador das grandes navegações. Ressaltando a sua importância para a
expansão marítima.
Ø Sétimo (I): D. João o Primeiro
Ø Sétimo (II): D. Filipa de Lencastre
É válido enfatizar na escolha de
Fernando Pessoa selecionar dois poemas para o sétimo castelo constituinte do
Brasão. Os dois poemas se referem a D. João e à sua esposa D. Filipa, não
separando o casal responsável por grandes conquistas marítimas, o qual está
unido até mesmo na morte, repousando um ao lado do outro no Mosteiro da
Batalha.
- As Quinas
Estabelecendo uma relação com o
valor representativo real dos cinco escudetes presentes no brasão português, os
quais representam as cinco chagas de Jesus derramadas na cruz pela salvação da
humanidade, Fernando Pessoa intitula ‘As
Quinas’ com cinco mártires da história lusitana. Vejamos:
Ø Primeira: D. Duarte, Rei de Portugal;
Ø Segunda: D. Fernando, Infante de Portugal;
Ø Terceira: D. Pedro, Regente de Portugal;
Ø Quarta: D. João, Infante de Portugal;
Ø Quinta: D. Sebastião, Rei de Portugal.
- A Coroa
Embora não fosse o portador da Coroa
portuguesa, Fernando Pessoa denomina Nunálvares Pereira como representante da
Coroa presente no brasão. Nunálvares é cavaleiro da Távola Redonda e, assim
como Parsifal, Lancelote e Galaás, parte em demanda do Graal com a espada do
Rei Artur, Excalibur. A postura guerreira de Nunálvares permite, portanto, que
o autor o considere como perfeito modelo
do herói cavaleiro e faça alusão a ele nesta parte do livro.
- O Timbre
O
timbre do brasão da nação portuguesa se constitui de ornamentos que suportam o
escudo. O brasão apresenta a figura de uma Serpe
Alada,ou Dragão, no entanto,
percebe-se em Mensagem a menção a
Grifo nos três poemas:
A
CABEÇA DO GRIFO: O Infante D. Henrique
UMA
ASA DO GRIFO: D. João o Segundo
A
OUTRA ASA DO GRIFO: Afonso de Albuquerque
A substituição da Serpe Alada,ou Dragão por Grifo não é um
erro do autor. Pessoa faz essa troca
com o objetivo de se distanciar do catolicismo. A Serpe
Alada,ou Dragão é utilizado no
brasão português como uma alusão a S. Jorge, ao substituir pelo Grifo, a obra se torna uma heresia, o
objetivo do autor.
Análise dos Poemas
PRIMEIRA PARTE: BRASÃO
Bellum sine
bello.
II. OS
CASTELOS
PRIMEIRO
ULYSSES
O mytho é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mytho brilhante e mudo —
O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo.
Este, que aqui aportou,
Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
E nos creou.
Assim a lenda se escorre
A entrar na realidade,
E a fecundal-a decorre.
Em baixo, a vida, metade
De nada, morre.
O
primeiro poema que abre o título “ Os
Castelos” se refere à fundação lendária da cidade de Lisboa por Ulisses,
herói grego.
Ao analisar a primeira estrofe do poema,
pode-se perceber, primeiramente, a antítese ente ‘nada’ e ‘tudo’. O mito é
apresentado como ‘nada’, mas, mesmo sendo ‘nada’, ele constitui matéria,
elementos capazes de dar vida. O mito é ‘nada’ porque é uma lenda, no entanto,
à medida que se constrói e se solidifica como uma base forte capaz de
transformar espiritualmente e materialmente, torna-se ‘tudo’.
A
seguir, a figura do sol é representada como algo capaz de iluminar, de desfazer
a escuridão, mas, ainda assim, o sol não tem significado, torna-se como ‘o
corpo morto de Deus’, não tem finalidade. Contudo, o corpo ainda está ‘vivo e
desnudo’, pois a morte o deu vida.
Na
segunda estrofe, o poeta afirma que ‘Este que aqui aportou’, ou seja, Ulisses,
ele não existia, já que era um mito, mas, justamente por não ser materializado,
ficou e ‘por não ter vindo foi vindo/ e nos criou’. À medida que o mito não
está no plano do real, cria raízes fortes, as quais fundou Lisboa.
No
fim, o poeta conclui afirmando que a lenda se fundamenta na realidade, mesmo
que não seja real e gera vida, a qual sem o ‘nada’ não seria ‘tudo’.
SEGUNDO
VIRIATO
Se a alma que sente e faz conhece
Só porque lembra o que esqueceu,
Vivemos, raça, porque houvesse
Memória em nós do instincto teu.
Nação porque reincarnaste,
Povo porque resuscitou
Ou tu, ou o de que eras a haste —
Assim se Portugal formou.
Teu ser é como aquella fria
Luz que precede a madrugada,
E é ja o ir a haver o dia
Na antemanhã, confuso nada.
Fernando Pessoa, neste poema, alude
Viriato, que fora um grande chefe lusitano, tornando-se um grande símbolo de
guerreiro para a nação.
Na primeira estrofe, percebe-se a
força da influencia da lembrança do passado glorioso: ‘Vivemos, raça, porque
houvesse/ memória em nós do instinto teu.’ Os portugueses seguem o exemplo
desbravador de Viriato porque guardam na lembrança os grandes feitos do
guerreiro passado.
Na segunda estrofe, permanece a
ênfase na lembrança de Viriato, que ‘reincarnaste’, ‘resuscitou’ porque a
memória dele está presente na nação lusitana e, por isso, ela se formou com o
espírito guerreiro.
Na terceira estrofe, é criado uma
esperança a um futuro glorioso como o passado pela lembrança de Viriato e de
sua ações valentes. A memória dele ilumina ‘como aquela fria/ Luz que precede a
madrugada’ e dá certeza do que há de vir, mesmo que ainda não se possa
encontrar solução.
TERCEIRO
O CONDE D. HENRIOUE
Todo começo é involuntáario.
Deus é o agente.
O heróe a si assiste, vario
E inconsciente.
À espada em tuas mãos achada
Teu olhar desce.
«Que farei eu com esta espada?»
Ergueste-a, e fez-se.
Este
poema de Pessoa revela a lenda ou o
milagre da Batalha de Ourique, enfatizando a importância que ela apresenta para
o povo português.
Fernando
Pessoa mostra, neste poema, o destino traçado por Deus para a glória de
Portugal. Logo na primeira estrofe se verifica a menção à vontade divina ‘Todo
começo é involuntário/ Deus é o agente’. Além disso, é retratada a situação do
herói, que, muitas vezes, tenta modificar seu destino e se prejudica.
Essa situação inerte do herói diante do desejo
divino também se revela na segunda estrofe: “‘ que farei eu com esta espada?
’”. O herói está perdido, mas o último verso revela: ‘Ergueste-a, e fez-se. ’,
ou seja, Deus cumpriu os seus desígnios e, independente do guerreiro, o
território português foi formado.
QUARTO
D. TAREJA
As naçôes todas são mysterios.
Cada uma é todo o mundo a sós.
Ó mãe de reis e avó de imperios,
Vella por nós!
Teu seio augusto amamentou
Com bruta e natural certeza
O que, imprevisto, Deus fadou.
Por elle resa!
Dê tua prece outro destino
A quem fadou o instincto teu!
O homem que foi o teu menino
Envelheceu.
Mas todo vivo é eterno infante
Onde estás e não ha o dia.
No antigo seio, vigilante,
De novo o cria!
D.
Tareja é um poema que menciona a importância da figura de D. Teresa para o
Império de Portugal.
Na primeira estrofe, o poeta afirma
que as nações não sabem seus destinos, embora todas possam transformar a
realidade. Diante disso, Fernando Pessoa se dirige à D. Tareja e a coloca como
a matriarca da nação lusitana, pedindo que cuide do povo português.
A
segunda estrofe faz alusão novamente ao fato de D. Tareja ser mãe de D. Afonso
Henriques, o qual se tornou rei por vontade divina: ‘O que, imprevisto, Deus
fadou. ’, por fim, pede novamente a proteção da matriarca: ‘Por elle resa!’.
Na
terceira estrofe, Pessoa volta a fazer petições a D. Tareja, assim, ele
aparenta ter saudade do Antigo Império, da época de D. Afonso: ‘O homem que foi
o teu menino/Envelheceu. ’ e, por isso, deseja outro destino.
A última estrofe do
poema revela a esperança do poeta de um futuro vindouro: ‘Mas todo vivo é
eterno infante’, acreditando que da
mesma matriarca ainda nascerá um novo destino.
SEGUNDA
D. FERNANDO, INFANTE DE PORTUGAL
Deu-me Deus o seu gládio, porque eu
faça
A sua santa guerra.
Sagrou-me seu em honra e em
desgraça,
Às horas em que um frio vento passa
Por sobre a fria terra.
Pôs-me as mãos sobre os ombros e
doirou-me
A fronte com o olhar;
E esta febre de Além, que me consome,
E este querer grandeza são seu nome
Dentro em mim a vibrar.
E eu vou, e a luz do gládio erguido
dá
Em minha face calma.
Cheio de Deus, não temo o que virá,
Pois venha o que vier, nunca será
Maior do que a minha alma.
Ø Análise
lingüística
1. Ênclise
no primeiro verso. Ordem indireta da frase. Primeiro o verbo, depois o objeto
indireto, depois o sujeito, depois o objeto direto.
2. Porque
– finalidade e não explicação.
3. Ênclise
no terceiro verso.
4. Fria
terra – terra fria. Ordem indireta do substantivo e adjetivo.
5. Muitas
ênclises.
6. No
quarto verso da segunda estrofe, apesar do verbo estar substantivado pelo
pronome “este” ele possui um complemento, “grandeza”.
7. “de
Alem” é uma expressão portuguesa pouco usada no Brasil, mas que em algumas
regiões está presente.
Ø Análise
interpretativa
Foi
um dos primeiros poemas a serem escritos por Fernando Pessoa. Ele escreveu
quando tinha 25 anos de idade.
D.Fernando, infante de
Portugal
Quem foi D Fernando? O infante santo; 8.° filho de D. João I e da rainha sua
mulher, D. Filipa de Lencastre. N. em Santarém a 29 de Setembro de 1402, faleceu nos cárceres de Fez em 5 de Junho de 1443. Era senhor da vila de Salvaterra de
Magos e seu termo, com as jurisdições e padroados pertencentes à Coroa.
Foi
educado com extremos de afeto, porque parecia, ao princípio,
extraordinariamente débil e de pouca vida, mas nem, por isso foram menos
perfeitos e cultivados o seu espírito e o seu carácter. Era ardentemente
religioso, mas sem extremos supersticiosos. Empregava o tempo que lhe restava
das suas práticas religiosas em obras de piedade o no cuidado de sua casa e
bons costumes dos domésticos, e na decência da sua capela, a qual enriquecia,
apesar de ter rendimentos inferiores aos dos irmãos, de todos os paramentos, e fazia
celebrar os ofícios divinos com magnificência. Por morte de João Rodrigues de
Sequeira, foi-lhe dado o cargo de perpétuo administrador e governador da ordem
de Avis, e dispensado para o ter, como teve em comenda, por bula de Eugénio IV,
do ano de 1434. Este mesmo pontífice lhe mandou oferecer o capelo de cardeal
pelo geral da ordem camaldulense, abade de Santa Justina de Pádua, D. Gomes
Ferreira, núncio deste reino, o que ele recusou por humildade.
Contava
já 34 anos nesta virtuosa quietação, mas como o seu ânimo não era menos
cobiçoso de glória, nem sentia menor valor para adquirir, a exemplo dos irmãos,
um nome honroso na milícia, e para acrescentar mais seu estado, intentou sair
do reino e ir a Inglaterra convidado das promessas de seu tio, Henrique IV, porém
conhecendo o esforçado coração do infante D. Henrique, seu irmão, com que
sempre zelava e procurava grandes empresas, determinou passar com ele a África
sobre a cidade de Tanger, e obtendo licença de el-rei D. Duarte, seu irmão, que
ao principio tentou dissuadi-lo daquele propósito, preparou-se para a
expedição. A armada saiu do porto de Lisboa em 22 de Agosto de 1437, comandada
pelo infante D. Henrique. Chegados a Tanger, e preparado o nosso exercito, os
moiros atacaram em tão grande numero, socorridos dos reis de Fez, Belez,
Tabilote e de Marrocos, que, apesar de ao princípio se pelejar denodadamente,
vendo-se em evidente risco de todos se perderem, foram obrigados a render-se,
ficando o infante D. Fernando no poder dos bárbaros, de quem furiosos se apoderaram
em 17 de Outubro do mesmo ano, com 4 fidalgos e alguns criados que se
ofereceram a acompanhá-los.
Primeiro
foi encerrado numa torre, onde esteve alguns dias, depois o transportaram para
Arzila, e ali sofreu muitas afrontas e impropérios dos moiros durante 7 meses
sucessivos. No fim deste tempo, vendo o senhor de Tanger, Zalá Benzalá, que de
Portugal tardava a resolução das capitulações e a entrega da praça de Ceuta,
que nelas se havia tratado, considerando o cativo seu, o fez passar a Fez no fim
do mês de Maio, entregando-o prisioneiro a Lazaraque, o moiro mais desumano e
mais bárbaro, que então se conhecia. Encerrado numa estreita masmorra carregado
de ferros, sofreu fome e sede, e dali saía obrigado a exercer as mais vis
ocupações: limpar cavalos, varrer as estrebarias, a trabalhar na horta cavando,
com o que trazia as mãos em chagas, etc. O infante sofria todos os tormentos
com resignação e constância, e do seu cativeiro escrevia a seu irmão, o rei D.
Duarte, aconselhando-o a que não entregasse a praça de Ceuta, que era mais
importante do que a sua vida. Este rigoroso cativeiro ou mais propriamente
martírio, durou quase 6 anos, até que faleceu. Os últimos 15 meses que viveu;
passou-os encerrado numa escura casa contígua à latrina do alcaçar, sem ter com
quem falasse nem a quem se pudesse queixar. Sendo conhecida a sua morte,
Lazaraque mandou embalsamar o corpo, e para maior desprezo e afronta para com o
infeliz prisioneiro, o fez pendurar nu das ameias da muralha junto duma porta
da cidade, atado pelas pernas com a cabeça para baixo; ali se celebraram jogos
e festas em sinal de triunfo. Passados 4 dias foi metido num ataúde de madeira,
e pendurado por cadeias sobre a mesma muralha, onde esteve muitos anos, até que
no tempo de D. Afonso V, seu sobrinho, foi trazido a este reino, não
concordando os cronistas no ano, nem a forma como veio transportado. Esteve
depositado em Lisboa no convento do Salvador, e dali se transferiu para o
convento da Batalha com grande pompa, sendo acompanhado pelos prelados e
grandes do reino, ficando na capela de D. João, seu pai, num túmulo de pedra,
levantado como o do seus irmãos. Tem um altar particular onde se celebrava
missa todos os dias. No retábulo está retratada a sua imagem com os grilhões, e
nos vários sucessos de seus trabalhos. O infante D. Henrique também o mandou
pintar no seu altar pela muita devoção que lhe consagrava. Sobre o seu túmulo
está a sua estátua, em pedra.
Mesmo
nos casos onde o grande empreendimento a que se propuseram falhou, os heróis na
Mensagem mantêm viva a chama do desejo e do sonho, impulsionados por essa febre
de fazer, de descobrir, de criar, a que se junta o seu destemor confiante por
se sentirem cheios de Deus.
Portanto, Fernando Pessoa não
“canta” apenas os feitos heróicos de sucesso de Portugal, mas os de insucesso
também. Ele não queria resgatar o lamento pelas perdas das colônias
conquistadas, porém, o espírito que moveu aquela expansão.
Deu-me Deus o seu gládio,
porque eu faça
A sua santa guerra.
“Gládio” é uma espécie de espada. Ou
seja, D. Fernando, sendo um herói, diz que Deus o consagrou para engrandecer o
nome de Portugal através da guerra contra os mouros. “Porque” não funciona como
o nosso porque explicativo, mas significa “para que”, portanto, uma noção de
finalidade. Deus consagrou D. Fernando para/ a fim/com a finalidade de
engrandecer a Portugal. Aqui, D.Fernando é quem fala no poema. Por isso, há
pronomes e verbos na primeira pessoa do discurso. Ele, então, justifica a sua
ação de investir uma luta contra o Oriente sendo uma determinação divina.
Sagrou-me seu em honra e
em desgraça,
Ficar preso nas mãos dos inimigos
foi doloroso, por isso, uma desgraça, mas foi para o bem da nação, logo, ao
mesmo tempo foi uma honra. Ele se sacrificou por Portugal, por isso, é um herói,
um santo. Deus o consagrou para uma honra que necessitava de desgraça. O ser
divino o consagrou como mártir.
Às horas em que um frio
vento passa
Por sobre a fria terra.
Aqui ele pode estar falando do
cativeiro. Ele ficou preso em uma terra que não era a sua, que não possuía
Deus. Portanto, uma terra fria. “Frio vento” evidencia a tormenta. Ele foi
consagrado às horas infelizes e não felizes, às horas mais horríveis que se
vivem na terra. “Terra fria” refere-se á terra sem piedade, o Oriente.
Pôs-me as mãos sobre os
ombros e doirou-me
A fronte com o olhar;
D. Fernando diz que Deus colocou as
mãos sobre seu ombro. Aqui, pode-se entender que o ser divino consagrou o Rei
colocando a espada (gládio) ou as mãos literalmente sobre seus ombros. Deus
consagra D.Fernando, dá honra a ele, torna-o um cavaleiro e ao mesmo tempo é
tenro para com ele tratando-o como filho. Porque apesar de tudo isso, o Rei
precisaria passar por grande tribulação. Não viriam apenas glórias, porém,
dificuldades. Com as mãos Deus consagra e com o olhar afaga. Também pode ser
interpretado que Deus fez D.Fernando olhá-lo de frente e o seu destino reluziu
sobre seus olhos. Deus o fez cavaleiro, colocou as mãos sobre seus ombros e
olhou em seus olhos.
E esta febre de Além, que
me consome,
E este querer grandeza
são seu nome
Dentro em mim a vibrar.
Essa
febre pode ser a representação sim da dor física, “febre” no sentindo de
doença, pois, D.Fernando realmente adoeceu no cativeiro. Entretanto, essa dor
denota um querer agir e estar impedido por prisões. É querer vencer, derrotar o
inimigo, porque se tem a certeza de que Deus está ao lado, todavia, ver-se
impedido pela prisão. Apesar da dificuldade, havia dentro do coração a vontade
de lutar e vencer. A febre pode ser também o Destino dado por Deus que fazia
com que o Rei aquentasse e aceitasse o martírio.
E eu vou, e a luz do
gládio erguido dá
Em minha face calma.
A luz da espada resplandece no
rosto dele, trazendo-lhe calma. Em meio a uma tribulação, ele permaneceu calmo
e confiante, pois sabia que a espada, que a luta que estava passando foi dada
por Deus. Por isso, nos versos seguintes ele irá demonstrar não ter medo.
Cheio de Deus, não temo o
que virá,
Pois venha o que vier,
nunca será
Maior do que a minha
alma.
Apesar de todo o sofrimento do
cativeiro, D.Fernando foi valente e enfrentou tudo por sua nação, Portugal. A
dor física podia ser enorme, no entanto, a alma dele estava cheia do espírito
de Deus. A guerra não foi apenas física, mas espiritual. Ele pode ter morrido
na carne, mas tornou-se santo e imortal no espírito. Fernando Pessoa era um
admirador do clássico. Durante toda a obra “Mensagem” ele trata da honra, da
importância da honra. Podemos ligar esse aspecto à “areté” guerreira dos heróis
gregos. D.Fernando lutou até o fim por seu país, tendo uma morte honrada (no
sentido de morrer pelos seus). Mensagem não deixa de ser uma epopéia.
Ø Poema gládio, publicado
em 1913
Gládio
A sombra de todos os lugares
Nossa tristeza escureceu...
Ergue-te, gládio
E acontece-te no céu!
Com tua vinda venha Deus.
A Pátria em dôr chóra por ti.
Enche a manhã dos vagos ceus
Do teu advento que sorri.
No teu cavallo branco vindo
Tua divina lenda traz
Realisada no advindo
Silencio que nos quebra e traz
Tristes, doridos, sobre a Hora
Que se ergue como um cadafalso
E ao pe d’elle a noss dôr chora
Um choro lento e cego e falso.
Ø As seis modificações
significativas:
ü Primeira
É um manuscristo pouco legível em
que gládio aparece em uma extensão muito menor do que as outras versões, com um
risco enorme no centro. Parece que a poesia não ficou ao gosto de Pessoa.
Lembra muito um rascunho, parece ser
a primeira versão de “Gládio”. Isso pode ser justificado porque, ao lançar um
olhar mais apurado muitas palavras estão presentes na publicação do “Gládio” de
1913.
A datação é de 21 de julho de 1913,
isso seria uma prova comprobatória de que foi um, senão o primeiro, “GLÁDIO”
escrito pelo poeta.
(fotocópia
nos slides)
ü Segunda
As alterações que foram feitas para
moldarem-se em louvor ao Infante D. Fernando, foram “gritantes”. Havia uma
espécie de dedicatória a Alberto Da Cunha Dias, que no “Gládio” de 1913 não
existia.
Seleção vocabular muito distinta,
nota-se no primeiro verso de “Gládio”: “A sombra de todos os luares.../ Nossa
tristeza escureceu...”; No processo de criação em que se aproveitou “Gládio”
para a poesia D. Fernando o Infante: “Deu-me Deus o seu gládio, porque eu faça
/ A sua santa guerra.” Ao que parece é que o poeta manteve a ideia mas alterou
as palavras, mas como já dizemos anteriormente, Pessoa tinha fascinação com a
língua, logo, a seleção vocabular era a primícia do autor.
A
forma também é muito distinta, enquanto em “Gládio” de 1913, temos a presença
de 4 versos por 4 estrofes em Gládio destinado à Alberto Da Cunha Dias, a
estrutura visualmente simples.
ü Terceira
Podemos notar a permanência da dedicatória a
Alberto Da Cunha Dias.
Presença de seleção vocabular mais restrita.
No terceiro verso da primeira estrofe, no lugar de honra estava gênio. No
quarto verso da segunda estrofe, no lugar de “grandeza” estava
“querer-justiça”.
Ortográficamente
falando percebe-se no primeiro verso da segunda estrofe, ombro estava escrito
da seguinte maneira: hombros.
O último
verso do poema estava escrito da seguinte maneira: “Maior de que a minh’alma”.
Contração vocabular de “minha alma”.
Portanto,
podemos perceber que o poeta usou de riqueza vocabular e apesar das expressivas
mudanças, nota-se uma proximidade com o poema acabado D.Fernando, o Infante de
Portugal em Mensagem.
ü Quarta
Nesta versão o poeta mantém muito da
segunda versão. No terceiro verso ele continua empregando “honra” no lugar de
“gênio” e mantém “desgraça”.
E as demais alterações permanecem o
que mudar é a forma visual, de maneira diminuta.
ü Quinta
Mudança no título. Neste momento,
Fernando Pessoa já altera o título “Gládio” para “D. Fernando, Infante de
Portugal”. É possível, que o autor tenha aceitado alguns ajustes anteriores.
Mudança da forma. O poeta parece não
ter aprovado a estrutura das versões anteriores e altera para uma forma mais
padrão, mantém os 5 versos por 3 estrofes mas, a posição encontra-se em
alinhamento visualmente simples.
A maior parte das palavras, presente
na modificação anterior, foram mantidas, numa tentativa de expressar o
sofrimento do grande Infante. As evidências de alternancia vocabular encontra-se,
respectivamente, em: “Sagrou-me seu nome em genio e em desgraça”e “ E este
querer-justiça são seu nome” em D. Fernando, o Infante de Portugal: “Sagrou-me
seu nome em honra e em desgraça” e “E este querer grandeza são seu nome”. Existe também a
ocorrência da perda da contração em “Gládio”: “minh’alma” no último verso da
última estrofe por “minha alma”, esse recurso é muito utilizado na poesia para
dar maior sonoridade de ritmo a leitura.
Emprego da pontuação com mudanças
diminutas. O poeta faz o emprego da vírgula que não existia antes, no seguinte
fragmento: “E esta febre de Além, que me
consome,” e ele muda a pontuação exclamativa para ponto final no seguinte
trecho: “Maior do que a minha alma.”
Ausência da dedicatória. No momento
em que Fernando Pessoa ajusta a poesia para louvar os feitos de D. Fernando e
ficam a sua maneira, ele retira a dedicatória pois não há porque dela estar
mais ali, se o poema em questão é destinado ao Infante.
ü Sexta
Depois da mudança do título e dos
ajustes realizados pelo poeta, não existem mais alterações significativas, há
exceção da escolha vocabular de “dourou-me” para “doirou-me”. De resto, tudo se
manteve quanto a forma, métrica, ortografia e vocabulário.
Segundo poema
I.
O INFANTE
Deus quer, o homem sonha, a obra
nasce.
Deus quis que a terra fosse toda
uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a
espuma,
E a orla branca foi de ilha em
continente,
Clareou, correndo, até ao fim do
mundo,
E viu-se a terra inteira, de
repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.
Quem te sagrou criou-te portuguez.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se
desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!
Ø Análise
lingüística
1. Expressão
“toda uma” pouco usada atualmente. Hoje se usa “uma só”.
2. Ausência
do “se”. “Se unisse”, “Se separasse”.
3. Presença
de ênclise.
4. Até
“ao fim” e não “o fim”, como popularmente se usa no Brasil.
5. Português
com “z”.
Ø Análise
interpretativa
O Infante
O título não parece remeter a
nenhuma figura humana em específico. Mas, há grandes possibilidades de estar se
retratando e retomado a pessoa de D. Fernando, logo, há possivelmente uma
ligação entre a primeira e segunda parte. Se não está se referindo a nenhuma
pessoa em especial, uma das interpretações possíveis é a de que, já que
Fernando Pessoa irá descrever no poema a criação do mundo por Deus, “infante”
refira-se à juventude da terra, o começo da terra, como a terra foi criada.
Como o poema também se refere ao Império Português, infante também pode ser o Império,
que clama a Deus para se tornar Rei. A questão é que Pessoa mescla duas visões:
uma física e material e outra espiritual. O infante Império que quer torna-se
Rei, não é apenas o reinado terreno, mas espiritual.
Deus quer, o homem sonha,
a obra nasce.
A vontade é de Deus, porém, o que
deve mover a força portuguesa de constituir um perfeito império (obra) é o
sonho humano. Aqui, obra pode ser o Império português, que nasce do sonho dos
próprios portugueses. Pode ser também a própria obra “Mensagem”, que a partir
da vontade de Deus e do sonho de Pessoa, nasce.
Deus quis que a terra
fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não
separasse.
Sagrou-te, e foste
desvendando a espuma,
E a orla branca foi de
ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao
fim do mundo,
E viu-se a terra inteira,
de repente,
Surgir, redonda, do azul
profundo.
Nas
duas últimas estrofes podem ser vistas duas interpretações: Fernando Pessoa
relata de forma poética a criação do mundo em gênesis e também o crescimento do
Império português.
Gênesis 1,
1-10.
No princípio criou Deus os céus e a
terra.
A terra era sem forma e vazia; e
havia trevas sobre a face do abismo, mas o Espírito de Deus pairava sobre a
face das águas.
Disse Deus: haja luz. E houve luz.
Viu Deus que a luz era boa; e fez
separação entre a luz e as trevas.
E Deus chamou à luz dia, e às trevas
noite. E foi a tarde e a manhã, o dia primeiro.
E disse Deus: haja um firmamento no
meio das águas, e haja separação entre águas e águas.
Fez, pois, Deus o firmamento, e
separou as águas que estavam debaixo do firmamento das que estavam por cima do
firmamento. E assim foi.
Chamou Deus ao firmamento céu. E foi
a tarde e a manhã, o dia segundo. E
disse Deus: Ajuntem-se num só lugar as águas que estão debaixo do céu, e
apareça o elemento seco. E assim foi.
Chamou Deus ao elemento seco terra,
e ao ajuntamento das águas mares. E viu Deus que isso era bom.
Deus quis que a terra
fosse toda uma,
“E
disse Deus: Ajuntem-se num só lugar as águas que estão debaixo do céu, e
apareça o elemento seco. E assim foi. Chamou Deus ao elemento seco terra, e ao
ajuntamento das águas mares. E viu Deus que isso era bom”.
Deus uniu a parte seca e a parte das
águas, separando a porção seca da água. E essa porção chamada “terra” era uma
só. A pajeia, todos os continentes em um só.
Que o mar unisse, já não
separasse.
“E disse Deus: haja um firmamento no meio das águas, e haja
separação entre águas e águas. E disse Deus: Ajuntem-se num só lugar as águas
que estão debaixo do céu, e apareça o elemento seco. E assim foi. Chamou Deus
ao elemento seco terra, e ao ajuntamento das águas mares. E viu Deus que isso
era bom.”
Primeiro
Deus separa as águas, para depois ajuntá-las.
E viu-se a terra inteira,
de repente,
Surgir, redonda, do azul
profundo.
Uma
maneira de interpretar o Gênesis é de que a Terra foi criada a partir da água
e, por isso, ela é azul. Esse conceito pode ser visto nesses versos.
Essa é uma interpretação. Vejamos
outra interpretação.
Interpretação analisando infante
como Portugal e não como a terra.
Deus quis que a terra
fosse toda uma,
Ou
seja, Deus quis que a terra fosse dominada por um só povo, ou se unisse de uma
única maneira. E foi um Português que primeiro a
navegou por inteiro – Fernão de Magalhães, bem como portugueses a uniram
descobrindo novos continentes. De fato o descobrimento do Brasil une pelo mar a
velha Europa à novíssima América de Colombo. Sagrado Infante, o Império podia
crescer, ser Rei.Os portugueses, como filhos de Deus, possuem a mesma
capacidade de criação e junção. Foi
Deus quem quis que a Terra finalmente fosse uma.
Que o mar unisse, já não
separasse.
As navegações tiveram o poder de
unir a terra, pois, de certa forma, uniu os continentes. As terras estavam
separadas e sem comunicação. Graças às descobertas e explorações marítimas dos
portugueses todos os locais do mundo puderam começar a se interligar. Foi de
Deus a idéia da expansão marítima.
Sagrou-te, e foste
desvendando a espuma,
Aqui, trata-se do nascimento do
Império, por isso, chamado infante.
E a orla branca foi de
ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao
fim do mundo,
E viu-se a terra inteira,
de repente,
Surgir, redonda, do azul
profundo.
Aqui se observa a descrição do
crescimento do Império. A “orla branca” da espuma é revolta de “ilha em
continente”, pelas naus nacionais. Até que finalmente, viagem cumprida a Terra
fosse “de repente redonda”, porque finalmente totalmente percorrida pelos olhos
humanos. Os portugueses ultrapassaram as fronteiras marítimas estipuladas de
seu tempo. Eles contornaram o cabo das tormentas, enfrentaram o gigante
Adamastor, chegaram ao fim do mundo e viram a terra redonda e não quadrada, a
puderam ver por inteira.
A espuma das ondas que acabam nas
praias ou rebentam contra os rochedos marca as costas com uma orla branca. A
frase anterior é uma forma poética de dizer que as costas foram sendo
descobertas, primeiro as ilhas e depois os continentes, "até ao fim do
mundo".
A
última estrofe também pode ser analisada segundo as duas interpretações.
Interpretação
da criação da terra por Deus.
Quem te sagrou criou-te
portuguez.
Do mar e nós em ti nos
deu sinal.
Fernando Pessoa está descrevendo a
criação do mundo e, automaticamente, do mar. Deus, então, consagrou o mundo e o
mar como portugueses. Logo, desde a criação do mundo, o ser divino, que é
soberano, pré-determinou que um dia todo o mundo e o meio marítimo que Ele
estava fazendo surgir, seriam de domínio de um povo “escolhido”, os
portugueses.
Cumpriu-se o Mar, e o
Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se
Portugal!
Aqui, Deus é lembrado da sua
consagração do mundo e do mar como portugueses: “Senhor, entregue logo o poder
do mundo e a glória a Portugal!”
Interpretação analisando infante
como Portugal e não como a terra.
Quem te sagrou criou-te
portuguez.
Segundo Fernando Pessoa, Deus fadou
Portugal para um magno destino.
Do mar e nós em ti nos
deu sinal.
Ou seja, através de ti revelou-nos
que o nosso destino era o Mar.
Cumpriu-se o Mar, e o
Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se
Portugal!
Cumpriu-se o destinado: o Mar foi
desvendado; o Império Português (isto é, o controle das rotas oceânicas e a
hegemonia no Índico) desfez-se. Pessoa pensa que Portugal está destinado à
grandeza futura, e isso ainda não se cumpriu!
“O Império se desfez” significa
dizer que ele morreu. O Império morreu mesmo antes de se cumprir, morreu
Infante, porque nunca se poderia cumprir como coisa material. Pessoa defende um
Império Maior, um Império Espiritual, verdadeiro Império, se quisermos. Por
isso este Império ficou Infante, por se cumprir, à espera que se cumpra o
Império Espiritual que será, esse sim, eterno. Era esta a primeira missão
cometida por Deus a Portugal, desvendar o mundo, e ela chegou ao seu termo. Mas
falta ainda tudo. Falta “cumprir-se Portugal”. Sabemos que Portugal era para
Pessoa mais do que apenas a terra que se define dentro dos limites da
fronteira, que Portugal para ele era língua, cultura, espírito e alma. Se ele
diz que falta cumprir-se Portugal, ele quer dizer que falta cumprir-se o destino
glorioso (e imaterial) da alma, já que se desfez o destino material do corpo.
De fato é só na terceira parte de “A
Mensagem” (depois dessa segunda parte) que esse destino maior se desenha em
mais fino pormenor. Encimado pela elocução latina Valete Frates, esta terceira
parte anuncia-nos um projeto de paz universal, fraternal, para a humanidade.
Mas não um plano filosófico ou político, antes um plano espiritual e simbólico,
que se vai revelar lentamente dentro de cada homem, de cada alma. Fraternidade achada
na semelhança com Deus, é certo, mas também com a alma portuguesa, com a alma
do verdadeiro povo escolhido.
“E a nossa grande raça partirá em
busca de uma Índia nova, que não existe no espaço, em naus que são construídas
daquilo que os sonhos são feitos…” “Mensagem” contém, pois, um apelo futuro.
O Sonho. É ele que deve mover a
força portuguesa a constituir um perfeito Império espiritual, ligado pela
Língua Portuguesa, que teria como finalidade a construção da Paz universal, o
tal “QUINTO IMPÉRIO”, o levantamento de um super Portugal, já anteriormente
vaticinado pelo Padre Vieira, assente na nossa língua e cultura, a unir o
mundo, não a separá-lo!E não esqueçamos Bernardo Soares, o semi-heterônimo de
Pessoa, que afirmava: “A minha Pátria é a Língua Portuguesa!” Para Pessoa, a
missão dos portugueses não está cumprida e a conquista do poder dos oceanos não
foi suficiente.
Terceiro poema
X.
MAR PORTUGUÊS
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães
choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo
deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
Ø
Análise
lingüística
1.
Quantas noivas
“ficaram por casar”. Expressão portuguesa pouco comum no Brasil.
2.
Penúltimo
verso da última estrofe. Ordem indireta da frase. Sujeito, objeto indireto, dois
objetos diretos e o verbo.
Ø Análise interpretativa
Mar português
O Mar português é um personagem,
assim como “Horizonte”. Por que, então, isso não fica claro? Por que Fernando
Pessoa não quer falar apenas do mar físico, mas também da representação da dor
e do sofrimento causados pela expansão marítima. A posse do mar aqui já é de
Portugal.
Ó mar salgado, quanto do
teu sal
São lágrimas de Portugal!
Assim
como o mar possui muito sal, ele também possui muito sofrimento. O “sal”,
então, representa dor em grande quantidade. Por isso, Portugal chora. O sal
quando cai nos olhos provoca ardência e lágrimas. A adversidade gera choro.
Por te cruzarmos, quantas
mães choraram,
Mães perderam seus filhos.
Quantos filhos em vão
rezaram!
Filhos perderam seus pais.
Quantas noivas ficaram
por casar
Noivas perderam seus noivos.
Para que fosses nosso, ó
mar!
Todo esse sofrimento para
conseguir-se o mar. A tragédia marítima é feita por humanos não só heróis. Para
conseguir-se êxito da expansão marítima não foram apenas os heróis que se
sacrificaram, entretanto, as pessoas comuns também.
Valeu a pena? Tudo vale a
pena
Se a alma não é pequena.
Valeu a pena tamanho sacrifício?
Para uma alma que ambiciona o tudo, nenhum sofrimento é demasiado. O elemento “alma” reflete também um mundo
espiritual, o mar espiritual.
Quem quer passar além do
Bojador
Tem que passar além da
dor.
Quem quer ultrapassar cabos, tem de
ultrapassar dores. Para haver recompensa, tem de haver sacrifício.
Essa visão se contrapõe ao Velho do
Restelo em Os Lusíadas.
Deus ao mar o perigo e o
abismo deu,
Deus fez o mar perigoso e com um
abismo.
Mas nele é que espelhou o
céu.
Mas é ele que espelha o céu. O mar
é o local onde está presente o desafio e a dor, mas também o sucesso e a
glória.
A água representa dois universos:
aquilo que espelha e aquilo que esconde. Nesse sentindo, assemelha-se á poesia
e, automaticamente, à obra “Mensagem”. A poesia comunica, mas também pode não
dizer nada de imediato. “Mensagem” faz exatamente isso: comunica, no entanto,
convida o leitor a uma reflexão mais profunda.
“Nunca
nos realizamos, somos dois abismos: um poço fitando o céu.” – Bernardo Soares
(livro do desassossego).
Todo esse sacrifício valeu a pena,
pois Portugal conquistou os mares e hoje ainda existem os frutos dessa época:
converteram-se um milhão de falantes da língua portuguesa em mais de 250
milhões atuais e espalhou-se a cultura portuguesa, assim como foram trazidas
culturas de outros continentes para a Europa. Tudo isso possibilitou o começo
da realidade que vivemos hoje: globalização.
"Navegar
é preciso; viver não é preciso".
A terceira parte do poema Mensagem de Fernando
pessoa, O Encoberto, é marcada por uma grande gama simbólica e sebastianista,
também falando da história de Portugal. É uma parte cheia de avisos, fortes
“sensações” e sentimentos pela parte do poeta.
Antes de entramos no poema, daremos
um breve resumo sobre o que seria o Sebastianismo, que foi um movimento
místico-secular ocorrido no século XVI em Portugal, tendo como motivo a morte
do rei D. Sebastião na Batalha de Alcácer-Quibir, onde não havia herdeiro para
o trono e o rei Filipe II da rama espanhola da casa de Habsburgo tomou o poder.
O movimento se baseava na não aceitação política da época, e uma expectativa de
mudança, mesmo que pequena, com a ressurreição do rei morto, no qual rezava a
lenda de que ele ainda se encontrava vivo e esperava o melhor momento para
assumir novamente o trono.
TERCEIRA
PARTE: O ENCOBERTO
Pax
in excelsis.
I. OS SÍMBOLOS
PRIMEIRO / D. SEBASTIÃO
'Sperai! Cai no areal e na hora
adversa
Que Deus concede aos seus
Para o intervalo em que esteja a
alma imersa
Em sonhos que são Deus.
Que importa o areal e a morte e a
desventura
Se com Deus me guardei?
É O que eu me sonhei que eterno
dura
É Esse que regressarei.
Na primeira estrofe fala da morte de
D. Sebastião, que ao pedir um tempo na batalha, cai na areia morto. E na hora adversa, a hora de sua morte.
Na segunda estofe, fala que a morte
não importa quando se a alma está guardada, e assim, fala de seu regresso.
A terceira
parte do poema Mensagem de Fernando pessoa, O
Encoberto, é marcada por uma grande gama de simbolismos e do movimento
sebastianista, também falando da história de Portugal. É uma parte cheia de
avisos, fortes “sensações” e sentimentos pela parte do poeta.
Logo no início do poema percebemos o corpo
porto de Portugal. Pessoa falara na Terceira parte já não da morte, mas do
renascimento, ou melhor ressureição, porque não é o mesmo corpo que renasce,
mas a alma dele que- ao mesmo animando o mesmo corpo – já é diferente.
A
morte é um estado transitório. Não concordamos com a divisão de Dalíla Pereira
da Costa que identifica a terceira parte como a morte. A dissolução ocorre no
final da segunda parte. A terceira parte é já o processo de ressurreição do
“corpo morto” – os passos alquímicos para atingir, depois da morte, a verdade
iniciática, o fim em sim mesmo, infinito de onde não há regresso.
A
terceira parte da obra é dividida também em três.Podem ser reduzidos a três os
passos essências para a Obra (Opus) do alquimista, na procura incessante do
ouro espiritual, ou lápis. Esses são
passos denominados como nígredo (o
negro, ou a morte), albedo (o branco,
a memória e a distância) e rubedo (o
vermelho, sublimação e expressão da verdade iniciática).
Parece-nos
que Pessoa desenha os passos da Obra, dividindo-a por “Símbolos”, por “Avisos”
e “Tempos”. Não parece haver correspondência direta com os passos alquímicos, a
não ser algumas passagens que serão evidenciadas atempadamente. A linguagem não
é uma linguagem certa, pseudo-científica, mas sim, como uma história do futuro.
O
símbolo que aqui nos é importante é “D. Sebastião” e não “D. Sebastião o Rei de
Portugal” como aparece nas “Quinas”. Isto quer dizer que Pessoa invoca agora o
símbolo mais perto de estar completo, o mito quase puro e não o homem, a
realidade. Lentamente Fernando Pessoa livrou-se da “carne” para fica com a
essência protegida do mito – confirma-se que é este um processo que se
desenrola ao longo de todo o livro, de maneira lenta e intencional. Mais uma
vez, colocando-o como um primeiro símbolo, Pessoa reforça também a visão de D.
Sebastião como o mito fundador de um novo Portugal.
Antes de
analisarmos o poema, julgamos coerente retomar brevemente o que seria o
Sebastianismo, que foi um movimento místico-secular ocorrido no século XVI em
Portugal, tendo como motivo a morte do rei D. Sebastião na Batalha
de Alcácer-Quibir (rei já comentado anteriormente), onde
não havia herdeiro para o trono e o rei Filipe II da rama espanhola da casa de Habsburgo tomou o
poder. O movimento se baseava na não aceitação política da época, e uma
expectativa de mudança, mesmo que pequena, com a ressurreição do rei morto, no
qual rezava a lenda de que ele ainda se encontrava vivo e esperava o melhor
momento para assumir novamente o trono.
Voltando ao poema. O Encoberto é dividido em três partes
(como toda sua obra também é dividida em três partes), Os Símbolos, Os Avisos e
Os Tempos, cada respectiva parte dividida em três, cinco e três poemas.
Ø Análise
estilística do poema
1.
A
estrutura está composta em 2 quartetos. Primeiro e terceiro verso da terceira
estrofe têm 12 sílabas, o segundo e o quarto 6. Na segunda estrofe o esquema
éigual exceto o quarto verso, que tem 8 sílabas.
2.
Esquema
ritmico: rima cruzada, de ritmo irregular.
3.
Número
de versos: Oito ao todo.
4.
Observações:
O discurso encontra-se em primeira pessoa, o poeta utiliza-se de metáforas (por
exemplo: “na hora adversa); uso de hipóstase (homem transforma-se em Deus); uso
de repetições (por exemplo: expressas ou implícitas) a Deus; segunda estrofe em
forma de interrogação e respos ta; oposição entre a primeira estrofe
(passado) e a segunda (presente e futuro), que tem por mediador o “sonho”, que
já tratamos anteriormente; uso de polissíndeto e redundâncias.
Como visto, Pessoa inicia com a
epígrafe “Paz in excelesis” que é traduzida como “Paz nas alturas”, que pode
ser compreendida como “A paz suprema”, que faz-se menção/lembra a uma passagem
bíblica onde Cristo entra em Jerusalém e esse frase ganha o sentido de “A paz
suprema” por estar com Cristo. Uma
clara referencia de D. Sebastião era visto como o “Messias” português, que
viria para “salvar” o reino do atual poder. Afinal, não importa se ocorreu a
morte, o regresso aconteceria, justificando o Sebastianismo, mencionado acima.
Ø Análise da primeira estrofe
'Sperai! Cai no areal e na hora adversa
Que Deus concede aos seus
Para o intervalo em que esteja a alma imersa
Em sonhos que são Deus.
Na primeira estrofe fala da morte de
D. Sebastião, que ao pedir um tempo na batalha, cai na areia morto. E na hora adversa, a hora de sua morte.
Podemos contextualizar segundo as
narrativas da Batalha de Alcácer- Quibir, pouco antes da sua morte nos areais
do Marrocos, o Rei terá dito estas palavras: “morrer, sim, mas devagar”. Pode
ser o “Sperai!” de Pessoa uma interjeição que lembre os últimos momentos do
Rei, porque ele “cai no areal e na hora adversa”.
A “hora adversa” é a hora da morte,
“que Deus concede aos seus”.
A morte é vista por Pessoa como um
momento transitório: “o intervalo” em que está “imersa/Em sonhos que são Deus”.
Não é portanto um estado permanente, sem retorno, mas apenas uma transição, uma
passagem da vida que conhecemos para outra vida futura.
Essa possibilidade coincide muito
com a teoria da metafísica da metempsicose ou transmigração da alma de um corpo
para o outro, depois da morte. A alma espera transitoriamente no reino dos
mortos, para ocupar mais tarde outro corpo.
Ø Análise da segunda estrofe
Que importa o areal e a morte e a
desventura
Se com Deus me guardei?
É O que eu me sonhei que eterno
dura
É Esse que regressarei.
A alma do Rei D. Sebastião está
guardada, o rei virou mito e o mito regressará. Para quem acredita na
imortalidade da alma, a morte não tem significado. Por isso Pessoa diz: “que
importa o areal e a morte e a desventura”. A alma, a essência, permanece,
guardada em Deus.
Isso não quer dizer que, o próprio
Rei permanece igual. O que permanece é mais do que apenas a figura do Rei, que
é humana. Pessoa fala-nos da essência dos seus atos e da sua coragem – o seu
mito: “O que eu me sonhei” é que eterno dura.
Divinizada não é a figura de D.
Sebastião, mas sim a importância renovadora do seu mito. O mito injetará nova
vida no que esta morto (o corpo de Portugal) e é “Esse” que regressará.
QUARTO
AS
ILHAS AFORTUNADAS
Que
voz vem no som das ondas
Que
não é a voz do mar?
É
a voz de alguem que nos falla,
Mas
que, se escutamos, cala,
Por
ter havido escutar.
E
só, meio dormindo
Sem
saber de ouvir ouvimos,
Que
ella nos diz a esperança
A
que, como uma criança
Dormemente,
a dormir sorrimos.
São
ilhas afortunadas,
São
terras sem ter logar,
Onde
o Rei mora esperando.
Mas,
se vamos dispertando,
Cala
voz, e ha só o mar.
Ø Análise
estilística do poema
1. Métrica:
3 Quintilhas, versos em redondilha menor (7 sílabas).
2. Esquema
rítmico: rima em esquema abccb (presença de um verso branco no início de cada
estrofe)
3. Número
de versos: 15.
4. Observações
gerais: O discurso está na 3ª pessoa, estrutura do poema como um enigma
(interrogação nos dois primeiros versos e revelação nos restantes); uso de
metáforas (o próprio título do poema pode ser considerado uma); uso de
opositores e paradoxos (por exemplo: “se escutarmos, cala”).
“D. Sebastião voltará, diz a lenda,
por uma manhã de névoa, no seu cavalo branco, vinda a ilha longínqua onde
esteve esperando a hora da volta”, escreve Fernando Pessoa num texto que
presumivelmente seria para fazer parte de um livro intitulado “Sebastianismo”.
Se a lenda tem o seu valor, Pessoa
aparece neste poema desvalorizá-la enquanto elemento potenciador de per se.
Veja-se que no poema anterior, D. Sebastião é “O desejado”, ou seja, depois de
morto uma nação perdida deseja o seu regresso. Como se vai operar esse
regresso? É esta a pergunta que Pessoa agora começa a responder mais
concretamente.
Pessoa inicia desmistificando. Não
haverá um regresso da ilha, como na lenda, porque isso é uma crença popular sem
sentido, alegórica, mas não simbólica.
Ø Análise da primeira estrofe
Que voz vem no som das
ondas
Que voz se ouve na distância.
Que não é a voz do mar?
Que não é o som do mar.
É a voz de alguem que nos
falla,
É a voz de um homem.
Mas que, se escutamos,
cala,
Mas incompreensível.
Por ter havido escutar.
Porque não entendemos agora.
Veja-se
com que sutileza Pessoa usa a ironia na análise da lenda, e simultaneamente no
contraponto a todos os que acreditavam realmente que o rei iria regressar
igual, humano, a cavalo, incólume. “Que voz vem no som das ondas/ Que não é a
voz do mar?” ou seja, que voz se ouve sem ser o som das ondas? É certamente uma
voz, uma presença, “mas que, se escutarmos, cala,/ Por ter havido escutar”, ou
seja, é uma voz que fala, mas que não quer ser ouvida.
O
que é uma voz que fala mas que não quer ser ouvida, senão um mistério? Um
mistério não pode ser encarado como realidade comum. O mistério “fala”, mas
fala por símbolos e revela-se pelo sofrimento.
Ø Análise da segunda estrofe
E só, meio dormindo
Só se meio a dormir estivermos, sem a atenção completa.
Sem saber de ouvir
ouvimos,
Sem estarmos conscientes de estamos a ouvir.
Que ella nos diz a
esperança
Ouvimos então a voz da esperança.
A que, como uma criança
Que surge como uma criança.
Dormemente, a dormir
sorrimos.
Uma criança que dorme e sorri, mas sempre sem ouvir.
Desistir
de procurar, é uma submissão ao Destino. Ao mesmo tempo a mais difícil e a mais
nobre atitude humana, porque se por um lado humilha a liberdade, por outro
abençoa a compreensão oculta. “As almas fortes atribuem tudo ao Destino, só os
fracos confiam na vontade própria”. Acreditava o poeta.
Esta
segunda estrofe diz tudo isto de uma maneira quase que infantil. “Meio dormindo
(...) sem saber (...) ouvir ouvimos/ Que ela nos diz a esperança/ A que, como
uma criança / Dormemente, (...) sorrimos”. “Ela” é a “voz” da primeira estrofe.
É essa voz que, se na primeira estrofe não era compreendida, porque alguém se
esforçara para a ouvir, agora se revela, por já não haver esse esforço, mas sim
submissão, sofrimento.
É
“meio dormindo” que o mistério se insinua na nossa compreensão de “criança
dormente”. Nem se deve falar em compreensão, mas sim intuição, instinto.
Compreendemos mas sem saber que o fazemos, e por isso “a dormir sorrimos”.
Ø Análise da terceia
estrofe
São ilhas afortunadas,
São ilhas mágicas.
São terras sem ter logar,
São terras sem ter lugar.
Onde o Rei mora esperando.
Onde D. Sebastiãoespera.
Mas, se vamos dispertando,
Mas se formos ver na realidade.
Cala voz, e ha só o mar.
Não
há nada, só mar.
Pessoa desenha uma conclusão
simples: as ilhas afortunadas não existem, senão em devaneios, nas lendas simplistas
das almas simples.
Mas não é um corte tout-cour com a
lenda. Existe uma voz distante, que nos fala de “esperança”. Só que essa voz
não reside em nenhuma ilha material, e se tentarmos escutá-la, ela cala-se,
porque é um mistério.
Quem quer o regresso do rei de
maneira material – quem espera o mesmo rei – tem aqui um poderoso aviso (ou
pré-aviso). Outros “Avisos” virão de seguida mais concretos. Certo é que Pessoa
é implacável e inamovível na sua convicção: D. Sebastião regressa símbolo, não
carne.
As ilhas afortunadas, essas são
“terras sem ter lugar”, que, “se vamos despertando (...) há só mar”, nada mais.
Não cabem estas ilhas na realidade, apenas no sono irreal, e no sono a “voz”
insinua-se de outras maneiras.
QUINTO
NEVOEIRO
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer-
Brilho sem luz e sem arde;
Como o que o fogo-fatuo encerra.
Ninguem sabe que coisa quer.
Ninguem conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que bem.
(Que ancia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a Hora!
Valete, Frates.
Ø
Análise estilística do poema
1.
Métrica: 1 Sextilha, 1 séptima e 1
verso isolado. Versos octossilábicos, com exceçao do verso isolado que tem
apenas 3 sílabas.
2.
Esquema rítmico: Rima em esquema
ababba (sextilha) e avvcddd (séptima). O verso isolado rima com o quarto verso
da séptima.
3.
Número de versos: 14.
4.
Observações: Uso de antropomorfização;
uso de metáforas (por exemplo “fulgor baço) e símiles (“Como o que o
fogo-fátuo...”), reforçando o sentimento de dispersão; uso de negatividade;
divisão do poema em duas partes (1º estrofe fala da pessoa coletivo, a 2º da
individual); uso de anáforas e antíteses (por exemplo “nem”); uso de paradoxos
(por exemplo a frase entre parêntesis na 2ª estrofe); uso de apóstrofe (“Valete
Fratres”).
Fernando Pessoa termina
a Mensagem com o poema “Nevoeiro”, quinto poema dos “Tempos” Catorze versos –
como as catorze estações da cruz.
Na simbologia por nós
proposta, de cinco “Tempo” – cinco Impérios, será este poema, o que representa o
Quinto Império, O Império Espiritual, como já tratamos anteriormente.
Do
último poema, espera-se um voluptuoso e majestoso final, porque afinal Pessoa exalta
o poder futuro ainda por acontecer, exorta à ação e à esperança. Mas na
realidade não podíamos estar mais longe de uma tal apoteose.
Coerente,
como sempre, o poeta não deixa para as últimas palavras nada que não seja dito
em todas as páginas anteriores. Mensagem fecha-se
sobre si própria e quando no seu fim, parece relembrar a vontade do novo
início. Sobretudo deixa a sensação de todo, de projeto global, que é dividido
em partes, mas sem que essas partes só existam quando ligadas entre si.
“Nevoeiro”
é assim um poema velado, triste mesmo quando imperativo, como o próprio
Fernando Pessoa. Não é o momento de lirismo simples, nem evoação linear do
passado. É um poema de hora marcada para nascer o Novo Sol (que destruirá o
“Nevoeiro”).
Ø Análise
da primeira estrofe
Nem
rei nem lei, nem paz nem guerra,
Nem governante nem leis, nem tempos de paz ou de
conflito.
Define
com perfil e ser
Podem definir a verdade emanação – essência.
este
fulgor baço da terra
no que no presente é de um fulgor triste.
Que
é Portugal a entristecer-
Portugal a entristecer -
Brilho
sem luz e sem arde;
Vida exterior sem luz intensa, sem fogo de paixão e
vontade.
Como
o que o fogo-fatuo encerra.
Como as luzes do fogo-fátuo (que surge dos
materiais em decomposição).
Pessoa
começa – numa análise macroscópica – por caracterizar o momento do país. E vê-o
tão desesperado que “nem rei nem lei, nem paz nem guerra” o “definem com perfil
e ser”. Ou seja, o país está tão sem alma, sem originalidade, nenhum
governante, nenhuma mudança pela força, o poderá regenerar
verdadeiramente. Continuará a ser
“fulgor baço da terra”, um “Portugal a entristecer”.
Na
vida, certamente. Há quotidiano, quem enriqueça, quem faça uma vida, cresça,
tenha família e morra. Mas toda a vida sem sentido é como “brilho sem luz e sem
arder”. É mais ainda, é pior, é “como o que o fogo-fátuo encerra”, ou seja, é
aparência de brilho (vida exterior), mas sem luz interior (vida interior). Quem
vive assim, não vive sobrevive – ambiciona, procria e morre. Para Pessoa é
claro que o brilho de uma vida assim como o fogo-fátuo, que é um brilho que sai
dos cemitérios e dos pântanos, brilho artificial e podre, apagado, próprio dos
corpos mortos e decompostos.
É
um triste quadro o que nos pinta Pessoa e, de certa maneira, um quadro
intemporal para um país que sempre se queixa das mesmas maleitas. Não é de
estranhar que Pessoa, levado pela sua imaginação, talento e cultura, queria
desenha uma saída deste marasmo social e intelectual. Mas uma saída sem “rei
nem lei, nem paz nem guerra”, ou seja, uma solução de infinito, de eternidade,
que não seja transitória. Será o seu início o modernismo, como corrente
literária, mas não só.
Ø Análise da
segunda estrofe
Ninguem
sabe que coisa quer.
Os portugueses não sabem o que verdadeiramente
querem.
Ninguem
conhece que alma tem,
Não conhecem a sua alma – o seu Destino.
Nem
o que é mal nem o que bem.
Nem para o bem, nem para o mal.
(Que
ancia distante perto chora?)
Adivinha-se, no entanto, uma ânsia neles, uma ânsia
de querer.
Tudo
é incerto e derradeiro.
Mas tudo é incerto, difuso, morte.
Tudo
é disperso, nada é inteiro.
Tudo em Portugal é parcial, não há vontade de
erguer, nada.
Ó
Portugal, hoje és nevoeiro...
Portugal é no presente como o nevoeiro.
É
a Hora!
Segue-se
uma análise microscópica, de pormenor. Depois de ver o “Nevoeiro” como um todo,
Pessoa analisa-o partícula a partícula.
Mas
é esta uma exortação ou uma elegia? Pessoa não se limita, fala a fundo dos
males que sente serem os males de um país. É uma visão de alguém que, sendo
português de nascimento, traz também uma perspectiva de estrangeiro. Mas se
faça a comparação, novamente deve o poeta chamar a atenção para o corpo morto
de Portugal, para que esse corpo se possa erguer, conhecer a razão mais alta do
seu sofrimento.
É
um país perdido. Onde “ninguém sabe que coisa querer”, onde “ninguém conhece
que alma tem”, sem noção nem do que “é mal nem o que é bem”. Uma sociedade
amoral, desligada dos mais altos valores, da nacionalidade, do espírito de
unidade religiosa, sobretudo da irmandade. No entanto, há uma esperança tênue:
“ânsia distante” que “perto chora”. Será que no íntimo de cade um reside um
desejo distante de mudança?
Mas
é tudo tão “incerto e derradeiro”, “disperso”. “Nada é inteiro”. Tal o
desespero na análise que Pessoa deixa-se finalmente a uma interjeição dolorosa:
“Ó Portugal, hoje és nevoeiro...”
Ø Análise da linha da terceira estrofe
É a Hora!
É o momento de surgir o Quinto Império, a
Nova Vida.
Depois
de duas estrofes mortas, soturnas, Pessoa faz a sua última exortação, gritando
de peito cheio de ar, ao infinito: “É a Hora!”.
A
“Hora” é fim da Obra que se vem descrevendo. Não se percebe – porque é em rigor
ainda um mistério – que hora será, se hora humana ou hora divina, mas
certamente é uma hora certa, inevitável.
Esta
“Hora” de Pessoa é também uma realidade por consumar. Isto porque Pessoa clama
por um momento que – em verdade- será impossível de acontecer sem que ele o
anuncie – eis o paradoxo. Por isso a “Hora” é também o momento em que Pessoa é
lido até ao fim, quando se conclui a leitura da Mensagem, do plano de Pessoa para regenerar Portugal.
Com
esta frase final, Pessoa “foi-se”, como o “monstrengo servo”, deixando aos
leitores a tarefa imaterial de revelar em cada um de nós os mistérios que ele
anunciou. Para que em casa um de nós brilhe aquele relâmpago, faísca divina,
que nos tira da vil noite na direção do Novo Dia.
A
mensagem de Mensagem é essa: procurar
no íntimo a razão que ilumina a vida que vale a pena ser vivida. Incrivelmente
– ou talvez não- é uma mensagem positiva/otimista.
Uma
derradeira pista, como um eco que se distancia, é deixada: um Valete Fratres!, um Adeus Irmãos!, sincero como um forte aperto de mão, um abraço quente.
Conclusão
Portanto,
foram analisados dez poemas da obra Mensagem, de Fernando Pessoa. Cinco da Primeira
Parte: Brasão, dois da Segunda Parte: Mar Português e três da Terceira Parte: O
Encoberto. Na primeira parte, intitulada de Brasão, o poeta trata do passado
glorioso da Nação Lusitana, desde sua formação até o que houve de mais digno no
período de glória portuguesa. A segunda parte, Mar Portuguez, destina-se às
conquistas da nação advindas da expansão marítima. O Poeta canta, diante disso,
a ação humana de conquistar o mundo pela navegação e exploração marítima.
Partindo para outro nível da realidade lusitana, encontra-se a última parte da
obra, O Encoberto. Nesta parte, Pessoa
não trata de uma realidade material, mas de um futuro vindouro que se concretizará
com o retorno de D. Sebastião.
Todo esse sacrifício valeu a pena,
pois Portugal conquistou os mares e hoje ainda existem os frutos dessa época:
converteram-se um milhão de falantes da língua portuguesa em mais de 250
milhões atuais e espalhou-se a cultura portuguesa, assim como foram trazidas
culturas de outros continentes para a Europa. Tudo isso possibilitou o começo
da realidade que vivemos hoje: globalização. Mas isso não é tudo. Ainda falta a
missão espiritual.
Por fim, mensagem visa mover a força
portuguesa a constituir um perfeito Império espiritual, ligado pela Língua
Portuguesa, que teria como finalidade a construção da Paz universal, o tal
“QUINTO IMPÉRIO”, o levantamento de um “super Portugal”, já anteriormente
vaticinado pelo Padre Vieira, assente na nossa língua e cultura, a unir o
mundo, não a separá-lo! E não esqueçamos Bernardo Soares, o semi-heterônimo de
Pessoa, que afirmava: “A minha Pátria é a Língua Portuguesa!” Para Pessoa, a
missão dos portugueses não está cumprida e a conquista do poder dos oceanos não
foi suficiente.
”Custa-me imaginar que alguém
possa, um dia, falar melhor de Fernando Pessoa que ele mesmo. Pela simples
razão de que foi Pessoa quem descobriu o modo de falar de si, tomando-se sempre
por um outro. E como os deuses lhe concederam um olhar imparcial como a neve, o
retrato que nos devolve do fundo do seu próprio espelho brilha no escuro, como
uma lâmina.” - Eduardo Lourenço.
Bibliografia:
Coelho,António Pina. Os
Fundamentos Filosóficos da Obra de Fernando Pessoa, 2 volumes, Verbo, 1971.
Pessoa,
Fernando. Mensagem, poemas esotéricos
edição crítica de José Augusto Seabra. Madrid, Paris, México, Buenos Aires,
São Paulo, Rio de Janeiro, Lima. ALLCA XX (Edições Unesco), 1996.
PESSOA,
Fernando. Mensagem. Organizado por
Fernando Cabral Martins. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
Azeredo,
José Carlos. Gramática Houaiss da Língua
Portuguesa.
Editora Publifolha, São Paulo,2008.
Tese:
Hipólito, Nuno. As mensagens da mensagem. 2007-2010.
Sites:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Bras%C3%A3o_de_armas_de_Portugal
http://pt.wikipedia.org/wiki/Batalha_de_Ourique
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/pe000004.pdf
http://lusibero.blogspot.com.br/2012/01/fernando-pessoa-estudo-resumido-de.html
http://www.tabacaria.com.pt/mensagem/MarPortugues/infante.htm
Infante D. Fernando
(1402-1443). In Infopédia [Em linha]. Porto:
Porto Editora, 2003-2013. [Consult. 2013-01-26].
Disponível na www: <URL:
http://www.infopedia.pt/$infante-d.-fernando-(1402-1443)>.
http://novosnavegantes.blogs.sapo.pt/19597.html
http://casafernandopessoa.cm-lisboa.pt/
http://www.arqnet.pt/dicionario/fernandoinf6.html
http://faltacumprirportugal.blogs.sapo.pt/40781.html