domingo, 25 de agosto de 2013

O nascimento do pensamento racional e o Ser em Parmênides

           Na atualidade muito pouco se tem discutido sobre o pensamento dos pré-socráticos. O que pode ser considerado um grande erro, pois muitas descobertas que julgamos nunca terem sido realizadas já haviam sido executadas ou propostas por eles. Nesse contexto, quero discutir como nasceu o pensamento racional na Grécia Antiga e tratar a partir da leitura dos fragmentos de Parmênides a concepção do Ser. Partindo de questionamentos como: Pensamento Mítico foi indissociável do pensamento racional na Grécia? Quem de fato foram esses filósofos e porque foram chamados assim? Não poderiam eles serem chamados de pensadores? Quem foi Parmênides e que tipo de contribuições ele produziu para o pensamento moderno? Esses e muitos outros questionamentos serão encontrados no presente trabalho. 
            Para tentarmos traçar uma fronteira temporal do momento em que surgiu o pensamento racional na Grécia dos séculos V e IV a.C, é preciso passarmos pela epopeia homérica, uma vez que fica quase impossível separar a interpenetração do elemento racional e do elemento dito como mítico. Em uma breve análise, podemos perceber que a epopeia mostra quão cedo o pensamento racional se infiltra nos mitos de criação e começa a influenciá-los. Na verdade, os mitos seriam uma busca para explicar o ambiente e o universo em que viviam os gregos.
            Frente a isso, não é simples responder ao questionamento: Se a teoria de Tales, que afirma ser a água o princípio original e essencial de tudo, fundamentou-se nos poemas de Homero, segundo o qual expunha que o Oceano é a origem de todas as coisas? Um exemplo clássico e prático sobre os mitos e racionalismo, pode ser a Teogonia de Hesíodo em que observamos uma busca por explicações do mundo através do mito, numa produção literária de perfeita coerência na ordem racional e na formulação de diversos problemas com um fundo de lógica muito amplo.
             Portanto, Homero seria o educador e em sua obra não há presença de reflexões, apenas a narração de um fato tomado como verdade, uma vez que não havia questionamento para o que afirmado aos cidadãos. E Hesíodo seria uma figura fundamental para promover o pensamento religioso com uma exposição mítica menos ingênua porque ele ordena sua Teogonia.  Esses aspectos da literatura mítica de ambos, que foram pensados a partir da observação da natureza desdobram-se em pensamentos abstratos e engendram a criação de conceitos a partir de uma contemplação investigativa, que contribuiu significativamente para o pensamento racional mais aprimorado, em um movimento de completude. 
            Por isso, o início da filosofia científica não coincide com o princípio do pensamento racional nem muito menos com o fim do pensamento mítico. O que houve na verdade com o pensamento grego foi um processo progressivo de racionalização da concepção de mundo presente nos mitos, através de inúmeros questionamentos. Como alguns por excelência: Seriam mesmo, os deuses de Homero divinos? Como é possível que os deuses sejam mentirosos, injustos e vingativos? É com semelhantes questionamentos que o pensamento racional grego vai florescendo e tomando forma.
            Outro aspecto não menos importante, é porque estranhamente o pensamento grego iniciou-se com os problemas da natureza e não com os relativos ao Homem? Uma vez que, a problematização do homem não foi encarada pelos filósofos gregos a princípio. Para respondermos a essa questão diante é preciso afastar nosso olhar mais teórico e lançar um olhar mais prático. Se fizermos uma análise com cuidado no estudo dos problemas do mundo externo, particularmente com a Medicina e a Matemática, podemos observar que esses serviram de base para a investigação do homem interior. Um grande representante do período clássico é Hipócrates que se dedicou absurdamente a problemática da Medicina e tornou alguns aspectos dignos de saúde pública, como foi o caso da saúde das mulheres.
            Contudo, no meio da “decadência” da concepção mítica do mundo e diante de uma nova sociedade humana que eclodia, ocorreu quase que instantaneamente de um modo inteiramente novo o mais profundo de questionamento: o existencial/o ser. O que imediatamente podemos perceber na humanidade desde os primeiros filósofos, que neste momento ainda não podem ser classificados como pensadores, é a preocupação tipicamente espiritual, uma espécie de devoção incondicional ao conhecimento e ao estudo aprofundado do ser e em si mesmo.
            Nesta perspectiva, o filósofo era extravagante, misterioso, digno, embora estimado, que se ergue acima da sociedade dos homens ou dela se aparta deliberadamente para dedicar-se aos seus estudos. É ingênuo como uma criança, desajeitado e pouco prático e está fora das condições de espaço e de tempo. Sua conduta e aspirações filosóficas geram uma espécie de u{briV (a desmedida), porque ultrapassa os limites impostos ao espírito humano pela inveja dos deuses e nesse caso inclusive dos humanos. O filósofo se liberta completamente do olhar do vulgo e não deseja de forma alguma compartilhar de suas realidades aparentes, deixando de ser um ijdiwvthv, aspirando ser ouvido por todos para demonstrar o conceito real de verdade e caminho correto para chegar até ela.
            Seus pensamentos, sentimentos e ideias sobre a vida e o ambiente eram proclamados livremente para quem os quisessem ouvir. Frutos de um desenvolvimento crescente da individualidade, pode-se afirmar que o pensamento racional atua nesse primeiro momento como material explosivo, porque as mais antigas autoridade perdem seu valor uma vez que somente é verdade quando “eu” posso explicar por razões plausíveis e lógicas aquilo que o “meu” pensamento justifica perante si mesmo e o outro. Surge nesse momento questionamentos como: Porque um indivíduo é melhor que outro, se são plenamente homens livres e gregos? Porque aquele sujeito possui mais direitos do que eu se estamos em pé de igualdade? É neste contexto que nasce o conceito de verdade. Um novo conceito de validade universal no fluir dos fenômenos, perante o qual se curva no todo arbitrário.
            O início do pensamento do século VI era pautado no problema da origem, da fivsiv. Para explicar essa problematização é importante voltarmos ao conceito grego de fivsiv, que significa natureza, essência, etc. Neste conceito estavam inseparáveis, duas coisas: o problema da origem e a compreensão por meio da investigação empírica. A primeira diz repeito ao que obriga os homens a ultrapassarem os limites humanos para revelar o que nossa experiência sensorial não permite e o segundo deriva preponderantemente na origem.
            Algo que não era de se admirar, seria o fato dos filósofos levarem essas questões para um aprofundamento muito maior, pois uma vez colocado o problema da origem e essência do mundo, seria notório que desenvolvessem a necessidade de ampliar todos os conhecimentos de fatos e explicar fenômenos particulares pertinentes da época. Nesse contexto, o primeiro a pensar o mundo enquanto fivsiv foi Tales de Mileto, com um pensamento voltado para a contemplação da natureza. Tamanha contemplação foi essa que ele teria previsto um eclipse em 585 a.C. algo até o momento inédito e que realizou apenas com a observação do céu, sem todos esses equipamentos que temos na atualidade.
            Sendo assim os gregos resolveram de uma maneira fundamentalmente nova o problema da origem e essência das coisas. Suas observações empíricas que receberam influencia do Oriente, principalmente do Egito, enriqueceram as suas próprias, como por exemplo o modo como submeteram o pensamento teórico e causal nos mitos, fundamentado na observação das realidades aparentes do mundo sensível: os mitos sobre o nascimento do mundo. Portanto, é neste momento que surge a filosofia científica, e este é o maior feito histórico da Grécia. Também fica claro que a libertação dos mitos tenha sido um processo gradual, porém o simples fato de ter sido um movimento espiritual unitário conduzido por uma série de personalidades independentes, demonstra o caráter científico e racional do pensamento. E três nomes são os grandes expoentes da filosofia naturalista de Mileto: Tales, Anaximandro e Anaxímenes. Esses forneceram a base com conceitos fundamentais para a física grega de Demócrito até Aristóteles.
            Com o desenrolar do pensamento dessas grandes personalidades, podemos observar que a semente de incontáveis desenvolvimentos filosóficos ainda estariam por vir, por exemplo: o conceito de cosmos constituiu, até os nossos dias, uma das categorias mais importantes de toda concepção de mundo. O homem sempre teve a necessidade explicá-lo porque via no céu algo inatingível. Infelizmente com o “avanço” das interpretações científicas modernas chegar ao cosmos se tornou algo mais simples e esse caráter metafísico original se perdeu. A ideia dos cosmos nos mostra, com simbólica evidência, a importância da primitiva filosofia natural para a formação do homem. Por isso, torna-se importante a retomada de conceitos gregos na ciência moderna, afinal que espécie homens estamos formando hoje?
            Nossos estudos se tornaram extremamente práticos e muitas vezes alguns nem sabem porque o fazem. O homem desse período possuía a plenitude que muitos na atualidade não possuem e sobretudo o prazer pela investigação científica. Na contemporaneidade torna-se quase impossível vermos uma pessoa que executa sua função ou estuda com verdadeiro prazer buscando respostas, porque não sabem o que fazem verdadeiramente. Infelizmente esse contexto, gera em nossa sociedade uma espécie de decadência que dificilmente resolveremos. Mas o homem grego quando elevava seu olhar ao céu sabia o motivo pelo qual o fazia e aquilo o deixava completo.    
            Mas voltando a Grécia antiga, sabemos que a filosofia milesiana da natureza nasceu da investigação pura e simples, com nuances extremamente avançadas. Quando Anaximandro decidiu tornar acessível, em forma de livro, suas teorias e doutrinas ao público, vemos a representatividade de um esforço educativo muito afastado da pura teoria filosófica. A filosofia da natureza recebeu dos movimentos políticos e sociais das época estímulos mais profundos, muito mais do que podiam esperar e devolveram no mesmo nível, ou até melhor.
            O poeta Xenófanes, por exemplo, apoderou-se de uma arma que já era muito conhecida na Grécia arcaica: a poesia. Esse é um marco, fundamentalmente importante para percebermos que é nesse ponto que os filósofos tentam instruir o vulgo, porque a poesia continuava a ser sempre a expressão mais autêntica de formação nacional. A escolha por esse gênero não é atoa, faziam-no dessa maneira porque percebe-se uma tendência muito forte de se apoderar da totalidade da ação humana na vida sentimental, espiritual e intelectual. Esse método também será adotado por um pensador muito abstrato e rigoroso cujo nome é: Parmênides, autor que pretendo agora tecer comentários.
            Pouco se sabe a cerca da biografia verdadeira de Parmênides, mas sabe-se que tenha nascido por volta do ano de 515 a.C., na cidade de Éleia, ao sul da Magna Grécia (Itália), acredita-se que tenha pertencido a uma família rica e com prestígio alto social. Supõe-se que seu primeiro contato com a filosofia tenha sido com a escola pitagórica e que tenha conhecido Xenófanes, e por isso a predileção pela escrita de cunho poético. Algo ao menos fica certa, Parmênides é conhecido como o pai filosófico de Platão e filósofo do imobilismo universal.
            As proposições de Parmênides constituem um encadeamento rigorosamente lógico, impregnado de consciência da força construtiva da sequência de ideias. Esse seria um dos motivos pela sua obra ter conservado a primeira série de proposições filosóficas do conteúdo vasto de encadeamento rigoroso que o idioma grego nos transmitiu. O sentido do seu pensamento só poderá ser expresso claramente se seguirmos a leitura de maneira dinâmica, porque seu produto essencial não é a imagem estética. A força com que ele expõe suas doutrinas fundamentais aos ouvintes não deriva de uma convicção dogmática, mas da vitória da necessidade do pensamento. Não um pensamento qualquer, mas um que se preocupe com a essência do Ser e da verdade.
            O conhecimento parmenideano, é também uma absoluta ananke, que ele ainda denomina como dike ou moira, neste ponto vemos a influência de Anaximandro. Esse seria o mais alto fim que a investigação humana poderia chegar. Mas quando ele afirma que a Dike mantém o ser fixo nos seus limites, sem qualquer possibilidade de dissolução, de tal maneira que já não se pode nascer ou perecer, o Ser na verdade encontra-se inerte. Neste ponto, existe uma visão distinta à de Anaximandro, pois ele afirma que a Dike se manifesta na geração e corrupção das coisas. A Dike de Parmênides separa o Ser de toda a geração e corrupção e o faz permanecer imóvel em si mesmo, é a necessidade implícita no conceito do Ser, interpretada como “aspiração do Ser à justiça”. Nas frases insistentemente repetidas “o Ser é, o não-Ser não é; e: o que é não pode não-ser”, Parmênides exprime a necessidade do pensamento da qual deriva a impossibilidade de realizar no conhecimento a contradição lógica.
            Esta força daquilo que se adquiriu no puro pensamento é a grande descoberta que domina toda a filosofia eleática que determina de forma polêmica dentro da qual o seu pensamento se desenvolve. O que nas suas proposições fundamentais aparece como a descoberta de um lei lógica, é para ele apenas um conhecimento objetivo, cujo conteúdo o coloca em conflito com toda a anterior filosofia da natureza. Se é certo que o Ser nunca é e o Não-ser nunca é, torna-se evidente para Parmênides que o devir é impossível. Esse conceito entra em conflito com a filosofia de Heráclito que afirmava: “O mesmo homem não pode atravessar o mesmo rio duas vezes, porque o homem de ontem não é o mesmo homem, nem o rio de ontem é o mesmo do hoje”. Aparentemente isso nos revelaria algo muito estranho, no mínimo. Os filósofos naturalistas confiam na ideia do devir cegamente sustentando que o Ser vem do Não-ser e no Não-ser se dissolve. No fundo essa é opinião de todos nós, porque confiamos nos nossos olhos e os em nossos ouvidos sem nem mesmo questionar o porque, não perguntamos ao pensamento, que é o único que pode nos guiar as certezas infalíveis.
            O pensamento deve ser a visão e a audição do homem que realmente quer conhecer a verdade, aqueles que não o seguem para Parmênides são como cegos e surdos e, infelizmente, se perdem em contradições sem saídas e sem fundamentação lógica alguma. Não há outro caminho a não ser admitir que o Ser e o Não-Ser são e não-são o mesmo, ao mesmo tempo. Se decidirmos derivar o Ser do Não-Ser admitiremos que a sua origem não pode ser conhecida, porque o verdadeiro conhecimento deve corresponder a um objeto. Dessa maneira, se quisermos conhecer a verdade precisamos nos afastar da geração da corrupção que nos leva a proposições impensáveis, e nos ater ao puro Ser, que no pensamento nos é fornecido, porque o pensamento e o Ser são uma e a mesma coisa, uma vez que ser, pensar e dizer estão na mesma unidade.
            A maior dificuldade do pensamento puro é obter qualquer conhecimento concreto do conteúdo do seu objeto. Nos fragmentos existentes na obra de Parmênides, podemos perceber um esforço de dedução para uma série de determinações precisas do seu novo conceito rigoroso do Ser. Estas notas, que se destacam no caminho que conduz a investigação dirigida pelo pensamento puro, ele chama de atributos ou características do Ser. O Ser é o motivo pelo qual o poeta escrever e é alheio ao devir, é imutável e portanto, imortal, total e único, inabalável, eterno e onipresente, uno, coerente, indivisível, homogêneo, ilimitado e completo como uma esfera.
            Parmênides é o primeiro pensador que levanta conscientemente o problema do método científico e o primeiro que distingue com clareza os dois caminhos principais que a filosofia posterior há de seguir: a percepção e o pensamento. O que não conhecemos pela via do pensamento é apenas a opinião do homens que ele chama de dovxa. No entanto, a salvação se baseia na substituição do mundo da opinião pelo mundo da verdade que ele chama de ajlhvqeia que está intimamente relacionada com o divino arcaico. O filósofo considera essa conversão como algo violento e difícil, mas que gera verdadeira libertação. Põe na exposição do seu pensamento um ímpeto grandioso e um pavqoV religioso que transcende os limites do lógico e lhe confere uma emoção profundamente humana. Pode-se afirmar que isso seria uma espécie de espetáculo do Homem que luta por meio do pensamento para se libertar das amarras das aparências sensíveis da realidade e descobre no espírito o órgão para chegar ao entendimento da totalidade e da unidade do que é o Ser.
            Ainda que entravado e perturbado por uma multiplicidade de problemas, revela-se nesta forma de conhecimento uma força fundamental de concepção do mundo e de formação humana, que é tipicamente grega. Em tudo o que Parmênides produziu literariamente percebemos a emocionante experiência dessa conversão da investigação humana, que não é perfeita nem muito menos completa, ao pensamento puro que está por trás do pensamento aparente: mundo sensível x mundo inteligível, que servirá de base para Platão em sua obra A república.
            Isso poderia explicar a estrutura de seus fragmentos, que são divididos em duas partes rigidamente constantes, uma consagrada à verdade e outra consagrada à opinião: ajlhvqeia x dovxa. Explica também o velho problema de compreender como se harmoniza a rígida lógica de Parmênides com seu sentimento de poeta. Dizer apenas que nessa época todos os temas podiam ser tratados em versos homéricos ou hesiódicos é simplificar demais a beleza poética dos filósofos e poetas do século V a.C. Parmênides é poeta por entusiasmo, que julga ser portador de um novo tipo de conhecimento, que ele considera, nem um pouco modesto, a revelação da verdade, que é algo completamente distinto do procedimento pessoal e ousado de Xenófanes.
            A poesia de Parmênides está organizada de uma maneira muito rigorosa e ele se reconhece como um simples servo e instrumento de uma força mais alta a que contempla com veneração Encontra-se no proêmio a confissão imorredoura desta inspiração filosófica, se atentarmos bem veremos um homem sábio que caminha para a verdade e procede da esfera religiosa. O “homem sábio” é a pessoa consagrada aos mistérios da verdade. Compreende-se com esse novo conhecimento do Ser.
            Fica evidente nesse contexto que a origem dos pré-socráticos está intimamente ligada ao religioso e que Parmênides pode ser considerado um grande divisor de águas porque ele vai de encontro a tudo aquilo que até então os filósofos de seu tempo julgavam como verdade. Uma vez que, para ele tudo o que existe e tudo o que possa ser pensado é o Ser, que é o verdadeiro caminho. O Ser é uno e indispensável, não possui nem começo nem fim. Para a nossa sociedade que não acredita mais em verdades absolutas e que tudo seria guiado pela relatividade esse conceito de Ser é muito complexo, mas se quisermos entender verdadeiramente o que Parmênides quer nos dizer precisamos nos despir de nossa realidade aparente. Acredito que para nossa sociedade que é guiada por uma generalização de relativismos, Parmênides nos mostra que algumas verdades podem ser de fato absolutas, se assim optarmos ver.   






Referências:
BORNHEIM, Gerd A. Os filósofos pré-socráticos. São Paulo: Cultrix, 1998.
JAEGER, Werner. Paidéia: A Formação do Homem Grego. 3ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 1995.


segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Mensagem, uma mensagem histórica

O início do processo
            Fernando Pessoa é conhecido como o poeta das mil faces. Sua marca mais expressiva é a criação dos seus heterônimos, criou mais de 70. Fernando Pessoa é considerado o maior poeta português do século XX e o maior após Camões. Há teóricos que acreditam fielmente que ele superou o grande criador dos Lusíadas com a obra Mensagem e há quem diga que Pessoa não passou de mais um poeta dentre tantos no mundo literário. Nossa opinião a cerca disso é que, Fernando Pessoa é o Grande poeta da Língua Portuguesa. Entendendo que, poeta na essência da palavra vem do grego poievw criar, transformar, fabricar, podemos perceber que a raiz da palavras poesia e poiéu são muito próximas e marca o propósito do poeta para os gregos no período clássico. Logo, afirmamos que Pessoa é o grande criador de seu tempo porque criou uma literatura distinta e transformou a Literatura Portuguesa e quiçá mundial.
            Em alguns escritos seus, encontramos a seguinte afirmação do poeta: “A poesia não deve ser entendida ele deve ser sentida em sua essência. O mistério não deve ser desvendado mas, sim, aceitado.” Toda a Literatura do poeta/criador calca-se nesse princípio, na necessidade de se sentir a poesia. Afinal, porque a obrigatoriedade de se querer entender, explicar as palavras e a sua criação quase que por métodos científicos, se as palavras por elas já dizem tudo? A palavra deve ser sorvida em sua essência.
            No entanto, apesar dessa força criadora ser parte do poeta e o poeta parte da força criadora, em seu tempo isso criou um choque geral em todos os leitores portugueses, fazendo com que muitas vezes o poeta fosse incompreendido. A repercussão da poesia só terá o valor merecido depois de sua morte. Notamos isso, em críticas póstumas, que acrescentaremos ao trabalho adiante, destinadas ao poeta que retratam a importância do seu único livro publicado em vida, Mensagem.
                Sendo assim, como dissemos no início, Fernando Pessoa é o poeta das mil faces, sua poesia é muito distinta e segue preceitos muito peculiares. Aceitar e, sobretudo, entender o que é distinto não é simples, se por vezes ele não foi aceito, na contemporaneidade suas obras são o motivo de muitos aprendizes quererem se dedicar a literatura, justamente pelo distinto, que é presente, nas poesias pessonianas. Nosso trabalho se propõe explicitar esses aspectos, na obra Mensagem. Para isso, utilizamos como livro base Mensagem, poemas esotéricos; edição crítica de José Augusto Seabra. Selecionamos as epígrafes, que estão em latim, e as poesias que mais retomam o caráter histórico de Portugal e fundação da Língua Portuguesa por 3 grandes grupos temáticos:
Ø  Epígrafes
Ø  Brasão
·         Ulysses e a fundação mítica de Portugal. (página 17)
·         Viriato, império Romano. (página 18)
·         O conde D. Henrique (página 19)
·         D.Tareja (página 20)
·         D.Fernando, infante de Portugal. Selecionamos esse poema porque demonstra as 6 modificações sofridas no poeta do autor. (página 23).
Ø  Do Mar Português
·         O Infante. É marco de toda a obra e, talvez, seja por isso que está no meio. (página 47)
·         Mar Português e glória de Portugal. (página 58)
Ø  O Encoberto
·         D. Sebastião. (página 67)
·         As ilhas afortunadas (página 70)
·         Nevoeiro. Fechamento de todo o conjunto da obra. (página 86)
·         Conclusão
            Portanto, esperamos que Mensagem ressoe no trabalho não como pura e simplesmente mensagem que parte para um destinatário, mas que expresse a riqueza semântica e os planos diversos da significação. Mensagem para quem e o dizer do que?
Quem Foi Fernando Pessoa?
            Fernando António Nogueira Pessoa nasceu em 1888, em Lisboa, aí morreu em 1935, e poucas vezes deixou a cidade em adulto, mas passou nove anos da sua infância em Durban, na colônia britânica da África do Sul, onde o seu padrasto era o cônsul Português. Pessoa, que tinha cinco anos quando o seu pai morreu de tuberculose, tornou-se num rapaz tímido e cheio de imaginação, e num estudante brilhante.
            Pouco depois de completar 17 anos, voltou a Lisboa para entrar no Curso Superior de Letras, que abandonou depois de dois anos, sem ter feito um único exame. Preferiu estudar por sua própria conta na Biblioteca Nacional, onde leu livros de filosofia, de religião, de sociologia e de literatura (portuguesa em particular) a fim de completar e expandir a educação tradicional inglesa que recebera na África do Sul.
            A sua produção de poesia e de prosa em Inglês foi intensa durante este período, e por volta de 1910, já escrevia também muito em Português. Publicou o seu primeiro ensaio de crítica literária em 1912, o primeiro texto de prosa criativa (um trecho do Livro do Desassossego) em 1913, e os primeiros poemas de adulto em 1914.
Vivendo por vezes com parentes, outras vezes em quartos alugados, Pessoa ganhava a vida fazendo traduções ocasionais e redação de cartas em inglês e francês para firmas portuguesas com negócios no estrangeiro.
            Embora solitário por natureza, com uma vida social limitada e quase sem vida amorosa, foi um líder ativo da corrente modernista em Portugal, na década de 1910, e ele próprio inventou alguns movimentos, entre os quais um “Interseccionismo” de inspiração cubista e um estridente e semi-futurista “Sensacionismo”. Pessoa manteve-se afastado das luzes da ribalta, exercendo a sua influência, todavia, através da escrita e das tertúlias com algumas das mais notáveis figuras literárias portuguesas.
            Respeitado em Lisboa como intelectual e como poeta, colaborou regularmente publicando regularmente o seu trabalho em revistas.
Liderou a revista Orpheu e colaborou em outra como Portugal Futurista, Centauro, Athena, Presença. Mas o seu gênio literário só foi plenamente reconhecido após a sua morte.
            No entanto, Pessoa estava convicto do próprio gênio, e vivia em função da sua escrita. Embora não tivesse pressa em publicar, tinha planos grandiosos para edições da sua obra completa em Português e Inglês e, ao que parece, guardou a quase totalidade daquilo que escreveu.
            Em 1920, a mãe de Pessoa, após a morte do segundo marido, deixou a África do Sul de regresso a Lisboa. Pessoa alugou um andar para a família reunida –  ele, a mãe, a meia irmã e os dois meios irmãos – na Rua Coelho da Rocha, n.º 16, naquela que é hoje a Casa Fernando Pessoa. Foi, neste momento, que Pessoa passou os últimos quinze anos da sua vida – convivendo muito com a mãe, que morreu em 1925, e com a meia irmã, o cunhado e os dois filhos do casal (os meios irmãos de Pessoa emigraram para a Inglaterra), embora também passasse longos tempos na casa sozinho. Familiares de Pessoa descreveram-no como afetuoso e bem humorado, mas muito reservado.
            É bem verdade que, ninguém fazia ideia de quão imenso e variado era o universo literário acumulado na grande arca onde ia guardando os seus escritos ao longo dos anos.
            O conteúdo dessa arca – que hoje constitui o Espólio de Pessoa na Biblioteca Nacional de Lisboa – compreende mais de 25 mil folhas com poesia, peças de teatro, contos, filosofia, crítica literária, traduções, teoria linguística, textos políticos, horóscopos e outros textos sortidos, tanto dactilografados como escritos ou rabiscados ilegivelmente à mão, em Português, Inglês e Francês. Pessoa escrevia em cadernos de notas, em folhas soltas, no verso de cartas, em anúncios e panfletos, no papel timbrado das firmas para as quais trabalhava e dos cafés que frequentava, em sobrescritos, em sobras de papel e nas margens dos seus textos antigos. Para aumentar a confusão, escreveu sob dezenas de nomes, uma prática – ou compulsão – que começou na infância.
            Neste contexto, chamou heterônimos aos mais importantes destes “outros eus”, dotando-os de biografias, características físicas, personalidades, visões políticas, atitudes religiosas e atividades literárias próprias, neste joguete criou mais de 70 heterônimos. Algumas das mais memoráveis obras de Pessoa escritas em Português foram por ele atribuídas aos três principais heterônimos poéticos – Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos – e ao «semi-heterônimo» Bernardo Soares, enquanto muitos poemas e alguma prosa em Inglês foram assinados por Alexander Search e Charles Robert Anon. Jean Seul, o solitário heterónimo francês, era ensaísta. Os muitos outros alter-egos de Pessoa incluem tradutores, escritores de contos, um crítico literário inglês, um astrólogo, um filósofo, um frade e um nobre infeliz que se suicidou. Havia até um seu «outro eu» feminino: uma pobre corcunda com tuberculose chamada Maria José, perdidamente enamorada de um serralheiro que passava pela janela onde ela sempre estava, olhando e sonhando.
            Fernando Pessoa é considerado um dos grandes mestres da literatura portuguesa do século XX e o maior após Camões, no entanto, as opiniões divergem. Levando ao extremo a introspecção, criou os heterônimos, com o objetivo de empreender uma viagem rumo ao conhecimento de todo o universo.
Dados do Livro
            A principal obra de "Pessoa ele-mesmo" é Mensagem, uma coletânea de poemas sobre os grandes personagens históricos portugueses. Na obra, Fernando Pessoa expressou por outras palavras a necessidade de provocar, de lutar contra as adversidades, de não ter medo de ir contra a corrente e de defender o que se acha justo e perfeito: 
“Para passar o Bojador
Há que passar além da dor
Deus ao mar o perigo e o abismo deu
Mas também foi nele que espelhou o céu.”
            Em uma ode patriótica composta entre 1920 e 1930 intitulado Mensagem, o poeta Fernando Pessoa imaginou a Europa como um corpo de mulher. Estendida, tinha ela um dos seus cotovelos, o direito, fincado na Inglaterra e o outro, o esquerdo, recuado, na Península italiana, cabendo a Portugal ser o rosto nesta hipotética figuração. Pode não ter sido o rosto, mas a posição geográfica de Portugal, pequena faixa de terra voltada para a imensidão do Oceano à sua frente, condicionou seu destino por quase cinco séculos. 
            Contudo, Mensagem nada mais é do que Portugal virado para a Europa, mas da sua orla, do seu Atlântico feito universalidade. É um livro com uma finalidade universalista, como se pode perceber pelo que foi dito antes. Um poema trinitário, onde se propõem uma síntese – o cerne da nobreza; uma antítese – a posse do mar; e uma síntese – a futura civilização intelectual. Resumo de oito séculos, não é só poesia que exalta, mas sobretudo poesia que obscurece para iluminar, pelas regras dos alquimistas.
            Visto dessa forma, seria inerente a tentação de aproximar Mensagem de Os Lusíadas é tanto mais irresistível quanto é sabido que Pessoa nunca escondeu o seu desejo de suplantar Camões e o seu Poema por uma outra visão do destino português, ao mesmo tempo mais profunda e mais universal. Há quem acredite que realmente foi apenas uma tentativa, pois as oitavas camonianas continuariam a celebrar, no espaço sem morte do Poema incomparável, os feitos marítimos e guerreiros de romanos do século XVI, tais como como Camões os tinha vivido e posto em cena. Contudo, já no tempo da sua escrita Os Lusíadas revelavam mais da memória que do eco transfigurado do presente. Com o tempo a epopeia tornou-se memorial e o Portugal nela evocava um fantasma que roubava o presente e impedia que os portugueses dessem ao futuro as cores de um sonho que não fosse apenas o de um povo no tempo, mas o tempo de um povo assimilado à Humanidade inteira. Esta conversão de uma mitologia, filha da História e nela sepultada, em visão transcendente de um Império puramente espiritual, de que os avatores do destino português teriam sido apenas o anúncio e a versão empírica e temporal, encontrou a sua expressão acabada, precisamente em Mensagem.
            Único livro de poemas em português publicado em vida, um ano antes de sua morte, como se fosse um testamento. Mensagem atraiu para Fernando Pessoa aplausos ambíguos, cujo eco não se extinguiu ainda. Tomado como se fosse uma bíblia Mensagem tornou-se, rapidamente um livro quase “popular”.
            Observamos isso na seguinte estrutura:
1.      Os poemas do livro estão organizados de forma a compor uma epopeia fragmentária, o conjunto dos textos líricos formula, como já dito anteriormente, um elogio épico a Portugal. Apresenta um forte nacionalismo místico de caráter sebastianista.
2.      Presença considerável de símbolos. Poeta-filósofo, Poeta-mágico e Poeta alquimista, dá Pessoa à Mensagem uma estrutura rigorosa e termos simbólicos presente em toda a obra, em cada parte existe um simbolismo ou signo específico como veremos mais a frente.
3.      Retomada ao classicismo, Fernando Pessoa em 1920, delineou a retomada ao classicismo da seguinte maneira: “... ideia de um poema épico representando as navegações e descobertas dos Portugueses como provenientes da guerra entre velhos e novos deuses ...” o poeta refere-se nesse fragmento a Íliada e à Vida de Hyperion de Keats.
4.      O livro Mensagem está dividido em três grande partes ou épocas: O Brasão, como primeira parte, representando em símbolo a nobreza na sua essência. Essa nobreza age no passado na segunda parte, O Mar Português e no futuro na terceira, O Encoberto. Cada dessas três partes correspondem-se em termos lusíadas, às Idades do Pai (presença do simbolismo). Pessoa poderia querer aludir a trindade: Pai(fundadores da nação portuguesa) , filho (os que recolheram a herança e desbravaram os mares) e espírito (ainda que não veio, embora tenha sido anunciada, do Espírito encoberto que espera o Desejado).
5.      Epígrafes: três elocuções em latim acompanham cada parte, possível retomada ao latim, que ainda era muito utilizado na época dos fundadores de Portugal, que são esses: Bellum sine bello para a primeira, ou seja, Guerra sem Guerrear, potência sem ato, a parte que se mantém sempre eterna, como nobreza e caráter. Possesio Maris para a segunda, ou seja, a nobreza que toma e possui com um ato, mas que com esse ato não se esgota minimamente – apenas é uma posse do mar, o ter e não o ser. É na terceira parte, na Pax in Excelsis, paz nas alturas, em que o homem se ultrapassa finalmente a si mesmo e se realiza plenamente no que sempre foi.
6.       As datas dos poemas foram acrescentadas pelo próprio autor no exemplar da edição original. Contudo, dos quarenta e quatro poemas do autor, ainda há doze poemas que não foram datados, não apresentando dia, mês e ano. Existem onze poemas datados de 1928,  nove são de 1934, três são de 1933, dois, de 1918 e de 1930 e encontra-se um dos anos: 1913,1922,1929. Dois poemas foram escritos na passagem de ano – ou em ano diferentes: 1921-22, 1933-34, de acordo com José Édil de Lima Alves,em A Moderna Épica Portuguesa em Mensagem.
            O poema mais antigo de Mensagem é de 21.07.1913, distanciando-se vinte e um ano do mais recente, datado de 02.04.1934. Esse distanciamento de tempo entre os poemas nos revela o processo árduo  de maturação por que passou Mensagem.
            Segue abaixo os poemas datados:
·         O dos Castelos,08-12-1928;
·         O das Quinas,08-12-1928;
·         Viriato,22-01-1934;
·         D.Tareja,24-09-1928;
·         D.Dinis,09-02-1934;
·         D.João o Primeiro,12-02-1934;
·         D. Filipa de Lencastre,26-09-1928;
·         D.Duarte, Rei de Portugal,26-09-1928;
·         D. Fernando, Infante de Portugal,21-07-1913;
·         D. Pedro, Regente de Portugal,15-02-1934;
·         D. João, Infante de Portugal,28-03-1930;
·         D. Sebastião, Rei de Portugal,20-02-1933;
·         Nunálvares Pereira,08-12-1928;
·         O Infante D.Henrique,26-09-1928;
·         D. João o Segundo, 26-09-1928;
·         Afonso de Albuquerque, 26-09-1928;
·         Padrão, 13-09-1918;
·         O Mostrengo, 09-09-1918;
·         Os Colombos, 02-04-1934;
·         Ascensão de Vasco da Gama, 10-01-1922;
·         Prece, 31-12-1921/ 01-01-1922;
·         O Quinto Império, 21-02-1933;
·         O Desejado, 18-01-1934;
·         As Ilhas Afortunadas, 26-03-1934;
·         O Encoberto, 21-02-1933/ 11-02-1934;
·         O Bandarra, 28-03-1930;
·         António Vieira, 31-07-1929;
·         Screvo meu livro à beira-mágoa, 10-12-1928;
·         Tormenta, 26-02-1934;
·         Calma, 15-02-1934;
·         Antemanhã, 08-07-1933;
·         Nevoeiro, 10-12-1928
Relação com a Língua Portuguesa
                A língua é o que constrói a identidade de um povo, é o que nos une ao outro e segundo Azeredo “liberta o homem das situações imediatas, expande para o aqui e o agora, e expande para o passado e o futuro o cenário em que se passam os episódios de sua vida”.  Com poucas palavras, nós expressamos um pouco da representatividade e importância para o ser humano possuir uma língua.
            Fernando Pessoa, era um amante da Língua Portuguesa. Esse dado, fica muito claro não só em Mensagem, em que ele retrata a fundação de um povo que era movido por ideais comuns, mas em outras poesias como Minha  pátria é a língua portuguesa” presente na obra Livro do Desassossego, em que o poeta mostra-se um devoto pela sua Língua. Foi por meio da Língua Portuguesa que o poeta conseguiu retratar, como Azeredo mesmo diz, o passado que forma memória do todo. Um povo sem memória não é nada. Pessoa era pleno disso.
            Em Mensagem observamos isso através de cada detalhe que o autor utilizou, o emprego das epígrafes em latim, como um indicativo da origem da Língua Portuguesa. Sabe-se que ao tratar da fundação histórica de Portugal muitos dos reis representados  na poesia sabiam latim. Ou seja, a Língua Latina e Portuguesa eram faladas e escritas com muito primor e qualidade. Também sabemos que a origem da nossa Língua calcou-se no Latim vulgar. Possivelmente, Pessoa faz uso disso, para primeiramente demonstrar erudição e retomar a linguagem anterior a Portuguesa. O fechamento com a exortação também em latim Valete, Fratres é um recurso que o autor utilizou que mantem a ortografia com visíveis arcadismos, dá um caráter sagrado a obra.
            Durante toda a obra observamos a escrita portuguesa peculiar do século XX de Fernando Pessoa. O poeta preocupa-se com cada palavra que é utilizada, para tentar expressar um sentimento frente ao que quer se falar. Na poesia D. Fernando, infante de Portugal, o poeta fez seis alterações até publicar na tentativa de expressar o sentimento do rei em questão. Ao mudar o título e, principalmente, as palavras por várias vezes, compreendemos a importância e a preocupação no significar para o poeta. Veremos isso na com mais precisão nas análises.
            Outra parte da obra que nos chamou atenção foi na poesia “O infante” em que aparece o seguinte período “O Império se desfez”. Dizer que o império se desfez, pode ser feita a seguinte inferência: o império acabou, não existe mais, morreu. O Império morreu mesmo antes de se cumprir, morreu Infante, porque nunca se poderia cumprir como coisa material. Pessoa defende um Império Maior, um Império Espiritual, o império que é verdadeiro, se assim quisermos. Por isso, que este Império do infante é o Império Espiritual e será eterno. Era esta a primeira missão cometida por Deus a Portugal, desvendar o mundo, e ela chegou ao seu termo. Mas falta ainda tudo. Falta “cumprir-se Portugal”. Sabemos que Portugal era para Pessoa mais do que apenas a terra que se define dentro dos limites da fronteira, que Portugal para ele era língua, cultura, espírito e alma. Se ele diz que falta cumprir-se Portugal, ele quer dizer que falta cumprir-se o destino glorioso (e imaterial) da alma, já que se desfez o destino material do corpo. Para Pessoa, a missão dos portugueses não está cumprida e a conquista do poder dos oceanos não foi suficiente. Passar a língua e os feitos são uma das missões para cumprir-se o destino glorioso.
            Esses trechos são alguns dentre tantos, em que podemos observar a questão histórica da língua e sua valorização. Mensagem pode ser considerada uma obra ufanista e nacionalista por conter, em muitas partes, o louvor a língua portuguesa desde a sua fundação até o futuro que ainda nem se conhece.
Do título: Mensagem
            Por um primeiro instante, Mensagem parece significar apenas missiva com conteúdo e finalidade ativa de missão, o mensageiro é um missionário, mas um missionário que vai comunicar algo de preciso e concreto, uma palavra, uma carta, um segredo. Em tal, sentido, porém, mensagem não é só um transmitir esse algo para o receptor, seja o que for, seja a quem for, é transmitir um recado de boca a ouvido, recado que é um mistério e que é segredo e que só será desvendado, mas com fins operativos, como um repto ou uma carta de prego, a quem estiver em condições de entende-lo por meio das palavras, pois Mensagem, exigindo recato, não se confundo com a divulgação generalizada, de comunicação social.
            Para outros receptores da mensagem, particularmente os portugueses, e outros afins, o livro Mensagem pode ser captado em diversos planos de entendimento. E é por isso que em si próprio constitui uma iniciação. Há um segredo dentro de outro segredo, dentro de outro segredo... De certo modo, sendo uma obra aparentemente clara, é no entanto um livro hermético. O desvendamento inteiro da obra só pode ser executado através da empatia, só é dado a um íntimo, só se dá aquele que partilha das mesmas crenças do eu lírico, incluindo a sabedoria da língua ou a sabedoria da paideia dentro da qual a mensagem irá ocupar um lugar religioso, um lugar pontifício ou de ponte entre o inciado maior e o inciado menos. Não é por acaso que Fernando Pessoa abriu Mensagem com uma epígrafe em latim, e vai mantendo ao longo de cada abertura de capítulo reforçando o caráter arcádico da língua e religioso.
            Ao título da obra, sabemos que Fernando Pessoa alterou por várias vezes até chegar ao presente intitulamento da obra, Mensagem foi escolhido não só pela riqueza semântica mas também pela convergência, nela, de diversos planos de significação.
            É possível que perguntemos: Mensagem de quem? O sujeito na obra mostra-se ambivalente, porque pode ser a mensagem do poeta, mensagem do ser coletivo português por intermédio do poeta, um vate do poeta, pode ser uma conjugação da mónada individual, o poeta com as mónadas coletivas, a nação e a ecúmena, pela intervenção de um terceiro e misterioso participante, o Deus bendito que nos deu este sinal. O que fica claro é a existência de uma múltipla possibilidade de sujeitos que podem ser inferidos antes da leitura da obra e depois, e a cada leitura que é realizada pelo leitor a multiplicidade vai aumentando. Ou seja, a cada momento o leitor pode se deparar com outros e outros “mensageiros”.
            Em um de seus escritos Pessoa deduziu de sucessivas decomposições da palavra, em uma busca experimental de étimos ou raízes recriadas pela sua imaginação operativa:
Ø  Ao escrever Mensagem em cima de Portugal, verificou-se que ambas tem exatamente 8 letras. Segundo a numerologia, e neste caso essa acepção é possível porque estamos tratando de Fernando Pessoa que era ocultista e transpassava isso a sua literatura, o oito é o número da harmonia. No entanto, devemos lembrar também que Pessoa classificou Mensagem como uma poesia de cunho templário, reconhecendo que a cruz templária possui oito pontas, se inscrevendo na charola octogonal do Convento dos Templários ou da Ordem de Cristo, em Tomar. A cruz de oito beatitudes é a Cruz da Ordem de Cristo, que as caravelas ostentavam na gesta dos descobrimentos. Nesta linha de raciocínio Mensagem é a Ordem de Cristo, herdeira da Ordem do Templo, realizando nesta terra a missão ecumênica de que S. Bernardo, D. Dinis e o Infante D. Henrique foram os principais representantes ou doutrinários.
Ø  A forte presença do Latim aparece outra vez nos escritos do poeta. Encontramos depois a frase em Latim, com algumas, letras sublinhadas e sílabas separadas; as 6 primeiras e as 2 últimas foram a Mensagem: MENS AG/ITAT MOL/EM; é uma citação encontrada na obra Eneida de Vírgilio.
Ou seja, a mente agita ou move a moles, a massa ou o dique, tudo significados do étimo latino moles. Há quem diga ainda nos dias atuais: a mole humana, que é a multidão ou a massa, nas acepções dadas por Gustave Le Bon ou por Ortega y Gassett. Agitar, fazer mover as massas ou o povo pela mente ou pelo intelecto através do fazer poético, dá poiésis já dita no início do trabalhado, dando uma significação dinâmica a Mensagem.
Ø  No mesmo papel, em seguida, encontramos mais apontamentos. Pessoa escreveu MENSAGEM – sublinhando as três letras que formam a palavra latina ENS e formando com as três últimas outra palavra: GEMMA. Tendo, portanto, ENS GEMMA.
Ou seja, o Ente em Gema ou em ovo. O ente pode ser Portugal, cuja essência ou gema, ou virtualidade ovular irrealizada mas já semi-formulada, será o Portugal templário, joanino, cisterciense. Mensagem é assim, não a mensagem do Portugal histórico, mas a mensagem do ovo primordial da nação, da gema portuguesa. A gema é essencial antes do existencial, o potencial antes do atual. Aqui aparece o ente lusíada no seu melhor, na sua gemma. Dizemos de um elite, de um grupo de paradigmas, ou de arquétipos, que constituem a gemma. A gema de um pátria, são as suas figuras excepcionais, os seus heróis, e seus gênios, os seus profetas e também os seus arquétipos, os seus mitos e os seus símbolos.
Ø  Em uma outra parte o Poeta também escreve: MENSA GEMMARUM. Há especialistas que acreditam ser mesa das gemas, a mesa que ostenta as gemas, as pedras preciosas da nação portuguesa. Mensagem, nessa acepção, poderia significar: o altar da pátria, o altar português ao Divino, pleo qual foram sacrificados ou se sacrificaram em honra e em desgraça, os melhores portugueses, os mais paradigmáticos, os mais preciosos, os heróis.
Ø  Enfim, encontramos mais uma vez: MENSAGEM mas agora com a 3ª e a 4ª, a  6ª e a 7ª letra cortadas, ficando assim: MEAM e formando com algumas das restantes outra palavra, GENS. O Poeta neste apontamento solto cortou a última letra de MEAM.
Temos pois: MEA GENS ou GENS MEA. Se é assim, quereria Pessoa dizer a Minha gente, ou minha família. Aparece nesse contexto, minha gente ou a minha família, minha raça, família a que eu pertenço, raça de heróis e de profetas entre os quais ele faz parte, e cuja a missão transcendental, assume e deste modo poético e mágico transmitido e faço agir no tempo de hoje, tempo de nevoeiro, mas tempo em que chegou a Hora.
Sob este aspecto, Pessoa identifica-se efetivamente com algumas das personagens da Mensagem, sacrificadas física ou espiritualmente na mesa ou no altar da pátria: pelo menos com D. Fernando, o Infante Santo, herói e mártir do ideal cavaleiresco português, já que o respectivo poema não é senão uma nova versão do autobiográfico poema “GLÁDIO”, de 1913; e com o terceiro profeta de Portugal, depois da Bandarra e de Antônio Vieira, em Os Avisos – pondo ora de lado a hipóteses da sua presumível identificação com o Encoberto, segundo o significado astrológico e sebastianista que a certa altura atribuiu ao ano de 1888, data do seu nascimento.
O valor representativo das epígrafes
            É possível constatar quatro epígrafes latinas ao longo de Mensagem. A escolha da língua latina foi uma opção proposital de Fernando Pessoa devido ao fato de o livro se tratar do passado, o mesmo que o nutre. A escolha da língua latina, então, também confere à obra uma estrutura passada, arcaica.
             Logo na abertura da obra, encontra-se a primeira epígrafe: a epígrafe inicial. As demais estarão presentes no início de cada uma das partes de que se compõe a obra.
            As epígrafes podem ser entendidas como fórmulas de um mistério da mensagem que não pode ser compreendida imediatamente. Escritas em latim, essas epígrafes conferem um ar misterioso em Mensagem, assim como também deixam um caráter solene na obra.
            Vejamos a epígrafe inicial:
Ø  Benedictus Dominus Deus Noster qui dedit nobis signum
            Traduzindo a epígrafe transcrita, obtemos: “Bendito [seja] Deus Nosso Senhor que nos deu o sinal”. Ao atentarmos para o uso de ‘nobis’, marcando a primeira pessoa do plural, podemos concluir a intenção de Pessoa de incluir todo o povo português. Mas mesmo que já compreendamos que há o intuito do povo português de fazer um agradecimento  a Deus, ainda nos fica o mistério deixado por ‘signum’.
            O dicionário Gaffiot nos revela alguns sentidos de signum: marca,sinal,insígnia, bandeira...  Diante disso, revela-nos que o uso de signum na epígrafe não é aleatório. O sentido de signum, que se liga à bandeira, nos remete ao título da primeira parte da obra: Brasão.
            Ao ser desvendado a relação entre signum e Brasão, pode-se contextualizar a epígrafe a um episódio lusitano. A epígrafe, por se tratar de um agradecimento da Nação a Deus pelo sinal que a ela foi dado, estabelece uma ligação direta com o milagre ou lenda da Batalha de Ourique.
            O milagre ou lenda da Batalha de Ourique conta que um dia antes da batalha, D. Afonso Henriques estava no campo preocupado com a quantidade de mulçumanos. Enquanto hesitava diante da batalha, de repente vê  Jesus na cruz que o fala para guerrear em nome dele e que, fazendo isso, seria vencedor e se tornaria Rei de Portugal. Esse episódio é um traço marcante na história portuguesa, marcando o brasão da nação com cinco escudetes que representam as cinco chagas de Jesus.
            O Frei Bernardo de Brito afirmou, em 1596, que tinha encontrado no Mosteiro de Alcobaça um documento que relatava a visão de D.Afonso Henriques. Segue o trecho: “Eu sou o fundador, & destruidor dos Reynos, & quero em ti, & teus descendentes fundar para mim hum Império, por cujo meio seja meu nome publicado entre as Nações mais estranhas.”.
            Ao ser estabelecida a relação entre a epígrafe inicial e a Batalha de Ourique, fica esclarecido a exaltação a Deus pelo “signum”. O signum revelará o sinal dado por Jesus a D. Afonso Henriques. Contudo, ainda é válido ressaltar a importância desse sinal para a construção do Império lusitano. O sinal desencadeou a coragem de D. Afonso, seu reinado e a formação da glória portuguesa.
            Essa tradição lendária, portanto, estabelece estreita relação com a epígrafe inicial de Mensagem e nos esclarece o seu significado e sua unidade. Pessoa faz alusão ao primeiro rei de Portugal e estabelece, desde a primeira epígrafe, o conteúdo que será tratado em sua obra: a Nação Lusitana, sua história e suas conquistas.
            Diante disso, a alusão à Batalha de Ourique pode ser considerada fundamental na formação do Império lusitano. Ao tratar dessa importante Batalha, nota-se que a intervenção divina se torna o ápice do acontecimento, sendo a responsável pelo início da história gloriosa portuguesa.
            Assim, o aspecto divino assume importância tal e Deus deixa de ser uma simples intervenção para se transformar em emissor da mensagem que se transmite na obra pela sua manifestação no campo da Batalha de Ourique.
            As demais epígrafes que antecederão cada uma das partes da obra relacionam-se intrinsecamente com o que há de vir como se exercessem a função de introduzir a temática central de cada parte.
            Consideremos a epígrafe que antecede Brasão:
Ø  Bellum sine bellum
            Podemos traduzi-la “A guerra sem a guerra”. Sua tradução nos aponta tanto para a consagração do Brasão da nação conquistado pelos heróis das grandes batalhas, quanto para o passado que já está morto e se revela em um presente sem guerras.
            Desse modo, a epígrafe que antecede a primeira parte da obra é um oximoro, assim como “Os deuses vendem quando dão” ( O das quinas) e  “O mito é o nada que é tudo” (Ulisses). Percebe-se a desconstrução de um conceito pela construção consolidada de outro.
            A segunda parte apresenta como epígrafe:
Ø  Possessio maris.
            A sua tradução “ A posse dos mares”  introduz perfeitamente a segunda parte do livro. Pode-se dizer, inclusive, que a epígrafe intitula a parte da obra destinada às conquistas lusitana dos oceanos, marcadas pelas grandes descobertas.
            Por fim, temos a última epígrafe:
Ø  Pax in excelsis
            Traduzida como “Paz nas alturas”, pode ser considerada como um voto pio que revela o desejo transcendental da volta do “Desejado”. A epígrafe é uma demonstração de fé que faz a nação lusitana acreditar no regresso de D. Sebastião, o qual construirá o Quinto Império português, trazendo a glória novamente para Portugal.
Os grupos temáticos
1.      Primeira parte: BRASÃO
            A primeira parte do livro, Brasão, não se estende, cronologicamente, além do reinado de D. Sebastião. Subdivido em outras cinco partes: “Campos”, “Os Castelos”, “As Quinas”, “A Coroa” e “O Timbre”, a parte inicial do livro se destina a fazer um retrato da Pátria Antiga portuguesa.

- Os Campos
            Fernando Pessoa distingue dois campos: ‘O dos Castelos’ e ‘O das Quinas’. O autor não faz isso aleatoriamente, ele se baseia no próprio brasão português, no qual há um campo de vermelho, “O dos Castelos”, sobre o qual está colocado o antigo escudo, as “As Quinas”.
- Os Castelos
            É interessante destacar a intenção de Fernando Pessoa em correlacionar  historicamente os poemas que fazem parte dessa parte com os antigos impérios. Sendo assim, pode-se encontrar, para cada castelo presente no brasão português, um poema. O título das poesias se refere a grandes personagens da história de Portugal, representando as conquistas que tiveram e a contribuição delas na construção do passado glorioso lusitano.
Ø  Primeiro: Ulisses
            Este poema remete à fundação mítica de Ulissipona ou Lisboa pelo herói grego Ulisses. Diante disso, o autor toma como ponto de partida Ulisses e o coloca como personagem fundamental na fundação da nação portuguesa.
Ø  Segundo: Viriato
            O autor propõe com este poema fazer alusão ao símbolo do espírito de independência dos portugueses.
Ø  Terceiro: O Conde D. Henrique
            Fernando Pessoa faz alusão ao destino divino traçado para a glória portuguesa.
Ø  Quarto: D. Tareja
            Há neste poema a alusão à D. Tareja, nome arcaico de D. Teresa. D. Tareja é lembrada como aquela que originou a linguagem real portuguesa. Há neste poema a alusão à D. Tareja, nome arcaico de D. Teresa. D. Tareja é lembrada como aquela que originou a linhagem real portuguesa.
Ø  Quinto: D. Afonso Henriques
            Neste poema, D. Afonso é novamente aludido na obra de Pessoa, ressaltando seu valor para a história de Portugal.
Ø  Sexto: D. Dinis
            O poema remete à D. Dinis como o grande propiciador das grandes navegações. Ressaltando a sua importância para a expansão marítima.
Ø  Sétimo (I): D. João o Primeiro
Ø  Sétimo (II): D. Filipa de Lencastre
            É válido enfatizar na escolha de Fernando Pessoa selecionar dois poemas para o sétimo castelo constituinte do Brasão. Os dois poemas se referem a D. João e à sua esposa D. Filipa, não separando o casal responsável por grandes conquistas marítimas, o qual está unido até mesmo na morte, repousando um ao lado do outro no Mosteiro da Batalha. 
- As Quinas
            Estabelecendo uma relação com o valor representativo real dos cinco escudetes presentes no brasão português, os quais representam as cinco chagas de Jesus derramadas na cruz pela salvação da humanidade, Fernando Pessoa intitula ‘As Quinas’ com cinco mártires da história lusitana. Vejamos:
Ø  Primeira: D. Duarte, Rei de Portugal;
Ø  Segunda: D. Fernando, Infante de Portugal;
Ø  Terceira: D. Pedro, Regente de Portugal;
Ø  Quarta: D. João, Infante de Portugal;
Ø  Quinta: D. Sebastião, Rei de Portugal.
- A Coroa
            Embora não fosse o portador da Coroa portuguesa, Fernando Pessoa denomina Nunálvares Pereira como representante da Coroa presente no brasão. Nunálvares é cavaleiro da Távola Redonda e, assim como Parsifal, Lancelote e Galaás, parte em demanda do Graal com a espada do Rei Artur, Excalibur. A postura guerreira de Nunálvares permite, portanto, que o autor o considere como  perfeito modelo do herói cavaleiro e faça alusão a ele nesta parte do livro.
- O Timbre
            O timbre do brasão da nação portuguesa se constitui de ornamentos que suportam o escudo. O brasão apresenta a figura de uma Serpe Alada,ou Dragão, no entanto, percebe-se em Mensagem a menção a Grifo nos três poemas:
A CABEÇA DO GRIFO: O Infante D. Henrique
UMA ASA DO GRIFO: D. João o Segundo
A OUTRA ASA DO GRIFO: Afonso de Albuquerque
            A substituição da Serpe Alada,ou Dragão por Grifo não é um erro do autor. Pessoa faz essa troca com o objetivo de se distanciar do catolicismo. A  Serpe Alada,ou Dragão é utilizado no brasão português como uma alusão a S. Jorge, ao substituir pelo Grifo, a obra se torna uma heresia, o objetivo do autor.
Análise dos Poemas
PRIMEIRA PARTE: BRASÃO
Bellum sine bello.
II. OS CASTELOS
PRIMEIRO
ULYSSES
O mytho é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mytho brilhante e mudo —
O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo.

Este, que aqui aportou,
Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
E nos creou.

Assim a lenda se escorre
A entrar na realidade,
E a fecundal-a decorre.
Em baixo, a vida, metade
De nada, morre.
            O primeiro poema que abre o título “ Os Castelos” se refere à fundação lendária da cidade de Lisboa por Ulisses, herói grego.
             Ao analisar a primeira estrofe do poema, pode-se perceber, primeiramente, a antítese ente ‘nada’ e ‘tudo’. O mito é apresentado como ‘nada’, mas, mesmo sendo ‘nada’, ele constitui matéria, elementos capazes de dar vida. O mito é ‘nada’ porque é uma lenda, no entanto, à medida que se constrói e se solidifica como uma base forte capaz de transformar espiritualmente e materialmente, torna-se ‘tudo’.
            A seguir, a figura do sol é representada como algo capaz de iluminar, de desfazer a escuridão, mas, ainda assim, o sol não tem significado, torna-se como ‘o corpo morto de Deus’, não tem finalidade. Contudo, o corpo ainda está ‘vivo e desnudo’, pois a morte o deu vida.
            Na segunda estrofe, o poeta afirma que ‘Este que aqui aportou’, ou seja, Ulisses, ele não existia, já que era um mito, mas, justamente por não ser materializado, ficou e ‘por não ter vindo foi vindo/ e nos criou’. À medida que o mito não está no plano do real, cria raízes fortes, as quais fundou Lisboa.
            No fim, o poeta conclui afirmando que a lenda se fundamenta na realidade, mesmo que não seja real e gera vida, a qual sem o ‘nada’ não seria ‘tudo’.
SEGUNDO
VIRIATO

Se a alma que sente e faz conhece
Só porque lembra o que esqueceu,
Vivemos, raça, porque houvesse
Memória em nós do instincto teu.

Nação porque reincarnaste,
Povo porque resuscitou
Ou tu, ou o de que eras a haste —
Assim se Portugal formou.

Teu ser é como aquella fria
Luz que precede a madrugada,
E é ja o ir a haver o dia
Na antemanhã, confuso nada.

            Fernando Pessoa, neste poema, alude Viriato, que fora um grande chefe lusitano, tornando-se um grande símbolo de guerreiro para a nação.
            Na primeira estrofe, percebe-se a força da influencia da lembrança do passado glorioso: ‘Vivemos, raça, porque houvesse/ memória em nós do instinto teu.’ Os portugueses seguem o exemplo desbravador de Viriato porque guardam na lembrança os grandes feitos do guerreiro passado.
            Na segunda estrofe, permanece a ênfase na lembrança de Viriato, que ‘reincarnaste’, ‘resuscitou’ porque a memória dele está presente na nação lusitana e, por isso, ela se formou com o espírito guerreiro.
            Na terceira estrofe, é criado uma esperança a um futuro glorioso como o passado pela lembrança de Viriato e de sua ações valentes. A memória dele ilumina ‘como aquela fria/ Luz que precede a madrugada’ e dá certeza do que há de vir, mesmo que ainda não se possa encontrar solução.
TERCEIRO
O CONDE D. HENRIOUE

Todo começo é involuntáario.
Deus é o agente.
O heróe a si assiste, vario
E inconsciente.

À espada em tuas mãos achada
Teu olhar desce.
«Que farei eu com esta espada?»

Ergueste-a, e fez-se.

            Este poema de Pessoa revela a lenda ou o milagre da Batalha de Ourique, enfatizando a importância que ela apresenta para o povo português.
            Fernando Pessoa mostra, neste poema, o destino traçado por Deus para a glória de Portugal. Logo na primeira estrofe se verifica a menção à vontade divina ‘Todo começo é involuntário/ Deus é o agente’. Além disso, é retratada a situação do herói, que, muitas vezes, tenta modificar seu destino e se prejudica.
             Essa situação inerte do herói diante do desejo divino também se revela na segunda estrofe: “‘ que farei eu com esta espada? ’”. O herói está perdido, mas o último verso revela: ‘Ergueste-a, e fez-se. ’, ou seja, Deus cumpriu os seus desígnios e, independente do guerreiro, o território português foi formado.
QUARTO
D. TAREJA

As naçôes todas são mysterios.
Cada uma é todo o mundo a sós.
Ó mãe de reis e avó de imperios,
Vella por nós!

Teu seio augusto amamentou
Com bruta e natural certeza
O que, imprevisto, Deus fadou.
Por elle resa!

Dê tua prece outro destino
A quem fadou o instincto teu!
O homem que foi o teu menino
Envelheceu.

Mas todo vivo é eterno infante
Onde estás e não ha o dia.
No antigo seio, vigilante,
De novo o cria!
            D. Tareja é um poema que menciona a importância da figura de D. Teresa para o Império de Portugal.
            Na primeira estrofe, o poeta afirma que as nações não sabem seus destinos, embora todas possam transformar a realidade. Diante disso, Fernando Pessoa se dirige à D. Tareja e a coloca como a matriarca da nação lusitana, pedindo que cuide do povo português.
            A segunda estrofe faz alusão novamente ao fato de D. Tareja ser mãe de D. Afonso Henriques, o qual se tornou rei por vontade divina: ‘O que, imprevisto, Deus fadou. ’, por fim, pede novamente a proteção da matriarca: ‘Por elle resa!’.
            Na terceira estrofe, Pessoa volta a fazer petições a D. Tareja, assim, ele aparenta ter saudade do Antigo Império, da época de D. Afonso: ‘O homem que foi o teu menino/Envelheceu. ’ e, por isso, deseja outro destino.
                A última estrofe do poema revela a esperança do poeta de um futuro vindouro: ‘Mas todo vivo é eterno infante’,  acreditando que da mesma matriarca ainda nascerá um novo destino.
SEGUNDA
D. FERNANDO, INFANTE DE PORTUGAL

Deu-me Deus o seu gládio, porque eu faça
A sua santa guerra.
Sagrou-me seu em honra e em desgraça,
Às horas em que um frio vento passa
Por sobre a fria terra.

Pôs-me as mãos sobre os ombros e doirou-me
A fronte com o olhar;
E esta febre de Além, que me consome,
E este querer grandeza são seu nome
Dentro em mim a vibrar.

E eu vou, e a luz do gládio erguido dá
Em minha face calma.
Cheio de Deus, não temo o que virá,
Pois venha o que vier, nunca será
Maior do que a minha alma.
Ø  Análise lingüística
1.      Ênclise no primeiro verso. Ordem indireta da frase. Primeiro o verbo, depois o objeto indireto, depois o sujeito, depois o objeto direto.
2.      Porque – finalidade e não explicação.
3.      Ênclise no terceiro verso.
4.      Fria terra – terra fria. Ordem indireta do substantivo e adjetivo.
5.      Muitas ênclises.
6.      No quarto verso da segunda estrofe, apesar do verbo estar substantivado pelo pronome “este” ele possui um complemento, “grandeza”. 
7.      “de Alem” é uma expressão portuguesa pouco usada no Brasil, mas que em algumas regiões está presente.
Ø  Análise interpretativa
            Foi um dos primeiros poemas a serem escritos por Fernando Pessoa. Ele escreveu quando tinha 25 anos de idade. 
D.Fernando, infante de Portugal
            Quem foi D Fernando? O infante santo; 8.° filho de D. João I e da rainha sua mulher, D. Filipa de Lencastre. N. em Santarém a 29 de Setembro de 1402, faleceu nos cárceres de Fez em 5 de Junho de 1443. Era senhor da vila de Salvaterra de Magos e seu termo, com as jurisdições e padroados pertencentes à Coroa. 
            Foi educado com extremos de afeto, porque parecia, ao princípio, extraordinariamente débil e de pouca vida, mas nem, por isso foram menos perfeitos e cultivados o seu espírito e o seu carácter. Era ardentemente religioso, mas sem extremos supersticiosos. Empregava o tempo que lhe restava das suas práticas religiosas em obras de piedade o no cuidado de sua casa e bons costumes dos domésticos, e na decência da sua capela, a qual enriquecia, apesar de ter rendimentos inferiores aos dos irmãos, de todos os paramentos, e fazia celebrar os ofícios divinos com magnificência. Por morte de João Rodrigues de Sequeira, foi-lhe dado o cargo de perpétuo administrador e governador da ordem de Avis, e dispensado para o ter, como teve em comenda, por bula de Eugénio IV, do ano de 1434. Este mesmo pontífice lhe mandou oferecer o capelo de cardeal pelo geral da ordem camaldulense, abade de Santa Justina de Pádua, D. Gomes Ferreira, núncio deste reino, o que ele recusou por humildade. 
            Contava já 34 anos nesta virtuosa quietação, mas como o seu ânimo não era menos cobiçoso de glória, nem sentia menor valor para adquirir, a exemplo dos irmãos, um nome honroso na milícia, e para acrescentar mais seu estado, intentou sair do reino e ir a Inglaterra convidado das promessas de seu tio, Henrique IV, porém conhecendo o esforçado coração do infante D. Henrique, seu irmão, com que sempre zelava e procurava grandes empresas, determinou passar com ele a África sobre a cidade de Tanger, e obtendo licença de el-rei D. Duarte, seu irmão, que ao principio tentou dissuadi-lo daquele propósito, preparou-se para a expedição. A armada saiu do porto de Lisboa em 22 de Agosto de 1437, comandada pelo infante D. Henrique. Chegados a Tanger, e preparado o nosso exercito, os moiros atacaram em tão grande numero, socorridos dos reis de Fez, Belez, Tabilote e de Marrocos, que, apesar de ao princípio se pelejar denodadamente, vendo-se em evidente risco de todos se perderem, foram obrigados a render-se, ficando o infante D. Fernando no poder dos bárbaros, de quem furiosos se apoderaram em 17 de Outubro do mesmo ano, com 4 fidalgos e alguns criados que se ofereceram a acompanhá-los. 
            Primeiro foi encerrado numa torre, onde esteve alguns dias, depois o transportaram para Arzila, e ali sofreu muitas afrontas e impropérios dos moiros durante 7 meses sucessivos. No fim deste tempo, vendo o senhor de Tanger, Zalá Benzalá, que de Portugal tardava a resolução das capitulações e a entrega da praça de Ceuta, que nelas se havia tratado, considerando o cativo seu, o fez passar a Fez no fim do mês de Maio, entregando-o prisioneiro a Lazaraque, o moiro mais desumano e mais bárbaro, que então se conhecia. Encerrado numa estreita masmorra carregado de ferros, sofreu fome e sede, e dali saía obrigado a exercer as mais vis ocupações: limpar cavalos, varrer as estrebarias, a trabalhar na horta cavando, com o que trazia as mãos em chagas, etc. O infante sofria todos os tormentos com resignação e constância, e do seu cativeiro escrevia a seu irmão, o rei D. Duarte, aconselhando-o a que não entregasse a praça de Ceuta, que era mais importante do que a sua vida. Este rigoroso cativeiro ou mais propriamente martírio, durou quase 6 anos, até que faleceu. Os últimos 15 meses que viveu; passou-os encerrado numa escura casa contígua à latrina do alcaçar, sem ter com quem falasse nem a quem se pudesse queixar. Sendo conhecida a sua morte, Lazaraque mandou embalsamar o corpo, e para maior desprezo e afronta para com o infeliz prisioneiro, o fez pendurar nu das ameias da muralha junto duma porta da cidade, atado pelas pernas com a cabeça para baixo; ali se celebraram jogos e festas em sinal de triunfo. Passados 4 dias foi metido num ataúde de madeira, e pendurado por cadeias sobre a mesma muralha, onde esteve muitos anos, até que no tempo de D. Afonso V, seu sobrinho, foi trazido a este reino, não concordando os cronistas no ano, nem a forma como veio transportado. Esteve depositado em Lisboa no convento do Salvador, e dali se transferiu para o convento da Batalha com grande pompa, sendo acompanhado pelos prelados e grandes do reino, ficando na capela de D. João, seu pai, num túmulo de pedra, levantado como o do seus irmãos. Tem um altar particular onde se celebrava missa todos os dias. No retábulo está retratada a sua imagem com os grilhões, e nos vários sucessos de seus trabalhos. O infante D. Henrique também o mandou pintar no seu altar pela muita devoção que lhe consagrava. Sobre o seu túmulo está a sua estátua, em pedra.
            Mesmo nos casos onde o grande empreendimento a que se propuseram falhou, os heróis na Mensagem mantêm viva a chama do desejo e do sonho, impulsionados por essa febre de fazer, de descobrir, de criar, a que se junta o seu destemor confiante por se sentirem cheios de Deus.
            Portanto, Fernando Pessoa não “canta” apenas os feitos heróicos de sucesso de Portugal, mas os de insucesso também. Ele não queria resgatar o lamento pelas perdas das colônias conquistadas, porém, o espírito que moveu aquela expansão.
Deu-me Deus o seu gládio, porque eu faça
A sua santa guerra.
            “Gládio” é uma espécie de espada. Ou seja, D. Fernando, sendo um herói, diz que Deus o consagrou para engrandecer o nome de Portugal através da guerra contra os mouros. “Porque” não funciona como o nosso porque explicativo, mas significa “para que”, portanto, uma noção de finalidade. Deus consagrou D. Fernando para/ a fim/com a finalidade de engrandecer a Portugal. Aqui, D.Fernando é quem fala no poema. Por isso, há pronomes e verbos na primeira pessoa do discurso. Ele, então, justifica a sua ação de investir uma luta contra o Oriente sendo uma determinação divina.
Sagrou-me seu em honra e em desgraça,
            Ficar preso nas mãos dos inimigos foi doloroso, por isso, uma desgraça, mas foi para o bem da nação, logo, ao mesmo tempo foi uma honra. Ele se sacrificou por Portugal, por isso, é um herói, um santo. Deus o consagrou para uma honra que necessitava de desgraça. O ser divino o consagrou como mártir.
Às horas em que um frio vento passa
Por sobre a fria terra.
            Aqui ele pode estar falando do cativeiro. Ele ficou preso em uma terra que não era a sua, que não possuía Deus. Portanto, uma terra fria. “Frio vento” evidencia a tormenta. Ele foi consagrado às horas infelizes e não felizes, às horas mais horríveis que se vivem na terra. “Terra fria” refere-se á terra sem piedade, o Oriente.
Pôs-me as mãos sobre os ombros e doirou-me
A fronte com o olhar;
            D. Fernando diz que Deus colocou as mãos sobre seu ombro. Aqui, pode-se entender que o ser divino consagrou o Rei colocando a espada (gládio) ou as mãos literalmente sobre seus ombros. Deus consagra D.Fernando, dá honra a ele, torna-o um cavaleiro e ao mesmo tempo é tenro para com ele tratando-o como filho. Porque apesar de tudo isso, o Rei precisaria passar por grande tribulação. Não viriam apenas glórias, porém, dificuldades. Com as mãos Deus consagra e com o olhar afaga. Também pode ser interpretado que Deus fez D.Fernando olhá-lo de frente e o seu destino reluziu sobre seus olhos. Deus o fez cavaleiro, colocou as mãos sobre seus ombros e olhou em seus olhos.
E esta febre de Além, que me consome,
E este querer grandeza são seu nome
Dentro em mim a vibrar.
Essa febre pode ser a representação sim da dor física, “febre” no sentindo de doença, pois, D.Fernando realmente adoeceu no cativeiro. Entretanto, essa dor denota um querer agir e estar impedido por prisões. É querer vencer, derrotar o inimigo, porque se tem a certeza de que Deus está ao lado, todavia, ver-se impedido pela prisão. Apesar da dificuldade, havia dentro do coração a vontade de lutar e vencer. A febre pode ser também o Destino dado por Deus que fazia com que o Rei aquentasse e aceitasse o martírio.
E eu vou, e a luz do gládio erguido dá
Em minha face calma.
            A luz da espada resplandece no rosto dele, trazendo-lhe calma. Em meio a uma tribulação, ele permaneceu calmo e confiante, pois sabia que a espada, que a luta que estava passando foi dada por Deus. Por isso, nos versos seguintes ele irá demonstrar não ter medo.
Cheio de Deus, não temo o que virá,
Pois venha o que vier, nunca será
Maior do que a minha alma.
            Apesar de todo o sofrimento do cativeiro, D.Fernando foi valente e enfrentou tudo por sua nação, Portugal. A dor física podia ser enorme, no entanto, a alma dele estava cheia do espírito de Deus. A guerra não foi apenas física, mas espiritual. Ele pode ter morrido na carne, mas tornou-se santo e imortal no espírito. Fernando Pessoa era um admirador do clássico. Durante toda a obra “Mensagem” ele trata da honra, da importância da honra. Podemos ligar esse aspecto à “areté” guerreira dos heróis gregos. D.Fernando lutou até o fim por seu país, tendo uma morte honrada (no sentido de morrer pelos seus). Mensagem não deixa de ser uma epopéia.
Ø  Poema gládio, publicado em 1913
Gládio
A sombra de todos os lugares
Nossa tristeza escureceu...
Ergue-te, gládio
E acontece-te no céu!

Com tua vinda venha Deus.
A Pátria em dôr chóra por ti.
Enche a manhã dos vagos ceus
Do teu advento que sorri.

No teu cavallo branco vindo
Tua divina lenda traz
Realisada no advindo
Silencio que nos quebra e traz

Tristes, doridos, sobre a Hora
Que se ergue como um cadafalso
E ao pe d’elle a noss dôr chora
Um choro lento e cego e falso.
Ø  As seis modificações significativas:
ü  Primeira
            É um manuscristo pouco legível em que gládio aparece em uma extensão muito menor do que as outras versões, com um risco enorme no centro. Parece que a poesia não ficou ao gosto de Pessoa.
            Lembra muito um rascunho, parece ser a primeira versão de “Gládio”. Isso pode ser justificado porque, ao lançar um olhar mais apurado muitas palavras estão presentes na publicação do “Gládio” de 1913.
            A datação é de 21 de julho de 1913, isso seria uma prova comprobatória de que foi um, senão o primeiro, “GLÁDIO” escrito pelo poeta.
(fotocópia nos slides)
ü  Segunda
            As alterações que foram feitas para moldarem-se em louvor ao Infante D. Fernando, foram “gritantes”. Havia uma espécie de dedicatória a Alberto Da Cunha Dias, que no “Gládio” de 1913 não existia.
            Seleção vocabular muito distinta, nota-se no primeiro verso de “Gládio”: “A sombra de todos os luares.../ Nossa tristeza escureceu...”; No processo de criação em que se aproveitou “Gládio” para a poesia D. Fernando o Infante: “Deu-me Deus o seu gládio, porque eu faça / A sua santa guerra.” Ao que parece é que o poeta manteve a ideia mas alterou as palavras, mas como já dizemos anteriormente, Pessoa tinha fascinação com a língua, logo, a seleção vocabular era a primícia do autor.
            A forma também é muito distinta, enquanto em “Gládio” de 1913, temos a presença de 4 versos por 4 estrofes em Gládio destinado à Alberto Da Cunha Dias, a estrutura visualmente simples.
ü  Terceira
 Podemos notar a permanência da dedicatória a Alberto Da Cunha Dias.
 Presença de seleção vocabular mais restrita. No terceiro verso da primeira estrofe, no lugar de honra estava gênio. No quarto verso da segunda estrofe, no lugar de “grandeza” estava “querer-justiça”.
Ortográficamente falando percebe-se no primeiro verso da segunda estrofe, ombro estava escrito da seguinte maneira: hombros.
O último verso do poema estava escrito da seguinte maneira: “Maior de que a minh’alma”. Contração vocabular de “minha alma”.
Portanto, podemos perceber que o poeta usou de riqueza vocabular e apesar das expressivas mudanças, nota-se uma proximidade com o poema acabado D.Fernando, o Infante de Portugal em Mensagem.
ü  Quarta
            Nesta versão o poeta mantém muito da segunda versão. No terceiro verso ele continua empregando “honra” no lugar de “gênio” e mantém “desgraça”.
            E as demais alterações permanecem o que mudar é a forma visual, de maneira diminuta.
ü  Quinta
            Mudança no título. Neste momento, Fernando Pessoa já altera o título “Gládio” para “D. Fernando, Infante de Portugal”. É possível, que o autor tenha aceitado alguns ajustes anteriores.
            Mudança da forma. O poeta parece não ter aprovado a estrutura das versões anteriores e altera para uma forma mais padrão, mantém os 5 versos por 3 estrofes mas, a posição encontra-se em alinhamento visualmente simples.
            A maior parte das palavras, presente na modificação anterior, foram mantidas, numa tentativa de expressar o sofrimento do grande Infante. As evidências de alternancia vocabular encontra-se, respectivamente, em: “Sagrou-me seu nome em genio e em desgraça”e “ E este querer-justiça são seu nome” em D. Fernando, o Infante de Portugal: “Sagrou-me seu nome em honra e em desgraça” e “E este querer  grandeza são seu nome”. Existe também a ocorrência da perda da contração em “Gládio”: “minh’alma” no último verso da última estrofe por “minha alma”, esse recurso é muito utilizado na poesia para dar maior sonoridade de ritmo a leitura.
            Emprego da pontuação com mudanças diminutas. O poeta faz o emprego da vírgula que não existia antes, no seguinte fragmento: “E esta febre de Além, que me consome,” e ele muda a pontuação exclamativa para ponto final no seguinte trecho: “Maior do que a minha alma.”
            Ausência da dedicatória. No momento em que Fernando Pessoa ajusta a poesia para louvar os feitos de D. Fernando e ficam a sua maneira, ele retira a dedicatória pois não há porque dela estar mais ali, se o poema em questão é destinado ao Infante.
ü  Sexta
            Depois da mudança do título e dos ajustes realizados pelo poeta, não existem mais alterações significativas, há exceção da escolha vocabular de “dourou-me” para “doirou-me”. De resto, tudo se manteve quanto a forma, métrica, ortografia e vocabulário.
Segundo poema
I. O INFANTE
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,

E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te portuguez.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!

Ø  Análise lingüística
1.      Expressão “toda uma” pouco usada atualmente. Hoje se usa “uma só”.
2.      Ausência do “se”. “Se unisse”, “Se separasse”.
3.      Presença de ênclise.
4.      Até “ao fim” e não “o fim”, como popularmente se usa no Brasil.
5.      Português com “z”.
Ø  Análise interpretativa
O Infante
            O título não parece remeter a nenhuma figura humana em específico. Mas, há grandes possibilidades de estar se retratando e retomado a pessoa de D. Fernando, logo, há possivelmente uma ligação entre a primeira e segunda parte. Se não está se referindo a nenhuma pessoa em especial, uma das interpretações possíveis é a de que, já que Fernando Pessoa irá descrever no poema a criação do mundo por Deus, “infante” refira-se à juventude da terra, o começo da terra, como a terra foi criada. Como o poema também se refere ao Império Português, infante também pode ser o Império, que clama a Deus para se tornar Rei. A questão é que Pessoa mescla duas visões: uma física e material e outra espiritual. O infante Império que quer torna-se Rei, não é apenas o reinado terreno, mas espiritual.
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
            A vontade é de Deus, porém, o que deve mover a força portuguesa de constituir um perfeito império (obra) é o sonho humano. Aqui, obra pode ser o Império português, que nasce do sonho dos próprios portugueses. Pode ser também a própria obra “Mensagem”, que a partir da vontade de Deus e do sonho de Pessoa, nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,

E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.
Nas duas últimas estrofes podem ser vistas duas interpretações: Fernando Pessoa relata de forma poética a criação do mundo em gênesis e também o crescimento do Império português.
Gênesis 1, 1-10.
No princípio criou Deus os céus e a terra.
A terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo, mas o Espírito de Deus pairava sobre a face das águas.
Disse Deus: haja luz. E houve luz.
Viu Deus que a luz era boa; e fez separação entre a luz e as trevas.
E Deus chamou à luz dia, e às trevas noite. E foi a tarde e a manhã, o dia primeiro.
E disse Deus: haja um firmamento no meio das águas, e haja separação entre águas e águas.
Fez, pois, Deus o firmamento, e separou as águas que estavam debaixo do firmamento das que estavam por cima do firmamento. E assim foi.
Chamou Deus ao firmamento céu. E foi a tarde e a manhã, o dia segundo.  E disse Deus: Ajuntem-se num só lugar as águas que estão debaixo do céu, e apareça o elemento seco. E assim foi.
Chamou Deus ao elemento seco terra, e ao ajuntamento das águas mares. E viu Deus que isso era bom.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
            “E disse Deus: Ajuntem-se num só lugar as águas que estão debaixo do céu, e apareça o elemento seco. E assim foi. Chamou Deus ao elemento seco terra, e ao ajuntamento das águas mares. E viu Deus que isso era bom”.
            Deus uniu a parte seca e a parte das águas, separando a porção seca da água. E essa porção chamada “terra” era uma só. A pajeia, todos os continentes em um só.
Que o mar unisse, já não separasse.
            E disse Deus: haja um firmamento no meio das águas, e haja separação entre águas e águas. E disse Deus: Ajuntem-se num só lugar as águas que estão debaixo do céu, e apareça o elemento seco. E assim foi. Chamou Deus ao elemento seco terra, e ao ajuntamento das águas mares. E viu Deus que isso era bom.”
            Primeiro Deus separa as águas, para depois ajuntá-las.
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.
            Uma maneira de interpretar o Gênesis é de que a Terra foi criada a partir da água e, por isso, ela é azul. Esse conceito pode ser visto nesses versos.
Essa é uma interpretação. Vejamos outra interpretação.
Interpretação analisando infante como Portugal e não como a terra.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
            Ou seja, Deus quis que a terra fosse dominada por um só povo, ou se unisse de uma única maneira. E foi um Português que primeiro a navegou por inteiro – Fernão de Magalhães, bem como portugueses a uniram descobrindo novos continentes. De fato o descobrimento do Brasil une pelo mar a velha Europa à novíssima América de Colombo. Sagrado Infante, o Império podia crescer, ser Rei.Os portugueses, como filhos de Deus, possuem a mesma capacidade de criação e junção. Foi Deus quem quis que a Terra finalmente fosse uma.
Que o mar unisse, já não separasse.
            As navegações tiveram o poder de unir a terra, pois, de certa forma, uniu os continentes. As terras estavam separadas e sem comunicação. Graças às descobertas e explorações marítimas dos portugueses todos os locais do mundo puderam começar a se interligar. Foi de Deus a idéia da expansão marítima.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,
            Aqui, trata-se do nascimento do Império, por isso, chamado infante.
E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.
            Aqui se observa a descrição do crescimento do Império. A “orla branca” da espuma é revolta de “ilha em continente”, pelas naus nacionais. Até que finalmente, viagem cumprida a Terra fosse “de repente redonda”, porque finalmente totalmente percorrida pelos olhos humanos. Os portugueses ultrapassaram as fronteiras marítimas estipuladas de seu tempo. Eles contornaram o cabo das tormentas, enfrentaram o gigante Adamastor, chegaram ao fim do mundo e viram a terra redonda e não quadrada, a puderam ver por inteira.
            A espuma das ondas que acabam nas praias ou rebentam contra os rochedos marca as costas com uma orla branca. A frase anterior é uma forma poética de dizer que as costas foram sendo descobertas, primeiro as ilhas e depois os continentes, "até ao fim do mundo".
A última estrofe também pode ser analisada segundo as duas interpretações.
Interpretação da criação da terra por Deus.
Quem te sagrou criou-te portuguez.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
            Fernando Pessoa está descrevendo a criação do mundo e, automaticamente, do mar. Deus, então, consagrou o mundo e o mar como portugueses. Logo, desde a criação do mundo, o ser divino, que é soberano, pré-determinou que um dia todo o mundo e o meio marítimo que Ele estava fazendo surgir, seriam de domínio de um povo “escolhido”, os portugueses.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!
            Aqui, Deus é lembrado da sua consagração do mundo e do mar como portugueses: “Senhor, entregue logo o poder do mundo e a glória a Portugal!”
Interpretação analisando infante como Portugal e não como a terra.
Quem te sagrou criou-te portuguez.
            Segundo Fernando Pessoa, Deus fadou Portugal para um magno destino.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
            Ou seja, através de ti revelou-nos que o nosso destino era o Mar.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!
            Cumpriu-se o destinado: o Mar foi desvendado; o Império Português (isto é, o controle das rotas oceânicas e a hegemonia no Índico) desfez-se. Pessoa pensa que Portugal está destinado à grandeza futura, e isso ainda não se cumpriu!
            “O Império se desfez” significa dizer que ele morreu. O Império morreu mesmo antes de se cumprir, morreu Infante, porque nunca se poderia cumprir como coisa material. Pessoa defende um Império Maior, um Império Espiritual, verdadeiro Império, se quisermos. Por isso este Império ficou Infante, por se cumprir, à espera que se cumpra o Império Espiritual que será, esse sim, eterno. Era esta a primeira missão cometida por Deus a Portugal, desvendar o mundo, e ela chegou ao seu termo. Mas falta ainda tudo. Falta “cumprir-se Portugal”. Sabemos que Portugal era para Pessoa mais do que apenas a terra que se define dentro dos limites da fronteira, que Portugal para ele era língua, cultura, espírito e alma. Se ele diz que falta cumprir-se Portugal, ele quer dizer que falta cumprir-se o destino glorioso (e imaterial) da alma, já que se desfez o destino material do corpo.
            De fato é só na terceira parte de “A Mensagem” (depois dessa segunda parte) que esse destino maior se desenha em mais fino pormenor. Encimado pela elocução latina Valete Frates, esta terceira parte anuncia-nos um projeto de paz universal, fraternal, para a humanidade. Mas não um plano filosófico ou político, antes um plano espiritual e simbólico, que se vai revelar lentamente dentro de cada homem, de cada alma. Fraternidade achada na semelhança com Deus, é certo, mas também com a alma portuguesa, com a alma do verdadeiro povo escolhido.
            “E a nossa grande raça partirá em busca de uma Índia nova, que não existe no espaço, em naus que são construídas daquilo que os sonhos são feitos…” “Mensagem” contém, pois, um apelo futuro.
            O Sonho. É ele que deve mover a força portuguesa a constituir um perfeito Império espiritual, ligado pela Língua Portuguesa, que teria como finalidade a construção da Paz universal, o tal “QUINTO IMPÉRIO”, o levantamento de um super Portugal, já anteriormente vaticinado pelo Padre Vieira, assente na nossa língua e cultura, a unir o mundo, não a separá-lo!E não esqueçamos Bernardo Soares, o semi-heterônimo de Pessoa, que afirmava: “A minha Pátria é a Língua Portuguesa!” Para Pessoa, a missão dos portugueses não está cumprida e a conquista do poder dos oceanos não foi suficiente.
Terceiro poema
X. MAR PORTUGUÊS
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
Ø  Análise lingüística
1.      Quantas noivas “ficaram por casar”. Expressão portuguesa pouco comum no Brasil.
2.      Penúltimo verso da última estrofe. Ordem indireta da frase. Sujeito, objeto indireto, dois objetos diretos e o verbo.
Ø  Análise interpretativa
Mar português
            O Mar português é um personagem, assim como “Horizonte”. Por que, então, isso não fica claro? Por que Fernando Pessoa não quer falar apenas do mar físico, mas também da representação da dor e do sofrimento causados pela expansão marítima. A posse do mar aqui já é de Portugal.
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Assim como o mar possui muito sal, ele também possui muito sofrimento. O “sal”, então, representa dor em grande quantidade. Por isso, Portugal chora. O sal quando cai nos olhos provoca ardência e lágrimas. A adversidade gera choro.
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
            Mães perderam seus filhos.
Quantos filhos em vão rezaram!
            Filhos perderam seus pais.
Quantas noivas ficaram por casar
            Noivas perderam seus noivos.
Para que fosses nosso, ó mar!
            Todo esse sofrimento para conseguir-se o mar. A tragédia marítima é feita por humanos não só heróis. Para conseguir-se êxito da expansão marítima não foram apenas os heróis que se sacrificaram, entretanto, as pessoas comuns também.
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
            Valeu a pena tamanho sacrifício? Para uma alma que ambiciona o tudo, nenhum sofrimento é demasiado.  O elemento “alma” reflete também um mundo espiritual, o mar espiritual.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
            Quem quer ultrapassar cabos, tem de ultrapassar dores. Para haver recompensa, tem de haver sacrifício.
            Essa visão se contrapõe ao Velho do Restelo em Os Lusíadas.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
            Deus fez o mar perigoso e com um abismo.
Mas nele é que espelhou o céu.
            Mas é ele que espelha o céu. O mar é o local onde está presente o desafio e a dor, mas também o sucesso e a glória.
            A água representa dois universos: aquilo que espelha e aquilo que esconde. Nesse sentindo, assemelha-se á poesia e, automaticamente, à obra “Mensagem”. A poesia comunica, mas também pode não dizer nada de imediato. “Mensagem” faz exatamente isso: comunica, no entanto, convida o leitor a uma reflexão mais profunda.
“Nunca nos realizamos, somos dois abismos: um poço fitando o céu.” – Bernardo Soares (livro do desassossego).
            Todo esse sacrifício valeu a pena, pois Portugal conquistou os mares e hoje ainda existem os frutos dessa época: converteram-se um milhão de falantes da língua portuguesa em mais de 250 milhões atuais e espalhou-se a cultura portuguesa, assim como foram trazidas culturas de outros continentes para a Europa. Tudo isso possibilitou o começo da realidade que vivemos hoje: globalização.
"Navegar é preciso; viver não é preciso".
 A terceira parte do poema Mensagem de Fernando pessoa, O Encoberto, é marcada por uma grande gama simbólica e sebastianista, também falando da história de Portugal. É uma parte cheia de avisos, fortes “sensações” e sentimentos pela parte do poeta.
            Antes de entramos no poema, daremos um breve resumo sobre o que seria o Sebastianismo, que foi um movimento místico-secular ocorrido no século XVI em Portugal, tendo como motivo a morte do rei D. Sebastião na Batalha de Alcácer-Quibir, onde não havia herdeiro para o trono e o rei Filipe II da rama espanhola da casa de Habsburgo tomou o poder. O movimento se baseava na não aceitação política da época, e uma expectativa de mudança, mesmo que pequena, com a ressurreição do rei morto, no qual rezava a lenda de que ele ainda se encontrava vivo e esperava o melhor momento para assumir novamente o trono.
TERCEIRA PARTE: O ENCOBERTO
Pax in excelsis.
I.         OS SÍMBOLOS
PRIMEIRO / D. SEBASTIÃO
'Sperai! Cai no areal e na hora adversa
Que Deus concede aos seus
Para o intervalo em que esteja a alma imersa
Em sonhos que são Deus.

Que importa o areal e a morte e a desventura
Se com Deus me guardei?
É O que eu me sonhei que eterno dura
É Esse que regressarei.
Na primeira estrofe fala da morte de D. Sebastião, que ao pedir um tempo na batalha, cai na areia morto.  E na hora adversa, a hora de sua morte.
Na segunda estofe, fala que a morte não importa quando se a alma está guardada, e assim, fala de seu regresso.
            A terceira parte do poema Mensagem de Fernando pessoa, O Encoberto, é marcada por uma grande gama de simbolismos e do movimento sebastianista, também falando da história de Portugal. É uma parte cheia de avisos, fortes “sensações” e sentimentos pela parte do poeta.
            Logo no início do poema percebemos o corpo porto de Portugal. Pessoa falara na Terceira parte já não da morte, mas do renascimento, ou melhor ressureição, porque não é o mesmo corpo que renasce, mas a alma dele que- ao mesmo animando o mesmo corpo – já é diferente.
            A morte é um estado transitório. Não concordamos com a divisão de Dalíla Pereira da Costa que identifica a terceira parte como a morte. A dissolução ocorre no final da segunda parte. A terceira parte é já o processo de ressurreição do “corpo morto” – os passos alquímicos para atingir, depois da morte, a verdade iniciática, o fim em sim mesmo, infinito de onde não há regresso.
            A terceira parte da obra é dividida também em três.Podem ser reduzidos a três os passos essências para a Obra (Opus) do alquimista, na procura incessante do ouro espiritual, ou lápis.  Esses são passos denominados como nígredo (o negro, ou a morte), albedo (o branco, a memória e a distância) e rubedo (o vermelho, sublimação e expressão da verdade iniciática).
            Parece-nos que Pessoa desenha os passos da Obra, dividindo-a por “Símbolos”, por “Avisos” e “Tempos”. Não parece haver correspondência direta com os passos alquímicos, a não ser algumas passagens que serão evidenciadas atempadamente. A linguagem não é uma linguagem certa, pseudo-científica, mas sim, como uma história do futuro.
            O símbolo que aqui nos é importante é “D. Sebastião” e não “D. Sebastião o Rei de Portugal” como aparece nas “Quinas”. Isto quer dizer que Pessoa invoca agora o símbolo mais perto de estar completo, o mito quase puro e não o homem, a realidade. Lentamente Fernando Pessoa livrou-se da “carne” para fica com a essência protegida do mito – confirma-se que é este um processo que se desenrola ao longo de todo o livro, de maneira lenta e intencional. Mais uma vez, colocando-o como um primeiro símbolo, Pessoa reforça também a visão de D. Sebastião como o mito fundador de um novo Portugal.
            Antes de analisarmos o poema, julgamos coerente retomar brevemente o que seria o Sebastianismo, que foi um movimento místico-secular ocorrido no século XVI em Portugal, tendo como motivo a morte do rei D. Sebastião na Batalha de Alcácer-Quibir (rei já comentado anteriormente), onde não havia herdeiro para o trono e o rei Filipe II da rama espanhola da casa de Habsburgo tomou o poder. O movimento se baseava na não aceitação política da época, e uma expectativa de mudança, mesmo que pequena, com a ressurreição do rei morto, no qual rezava a lenda de que ele ainda se encontrava vivo e esperava o melhor momento para assumir novamente o trono.
            Voltando ao poema. O Encoberto é dividido em três partes (como toda sua obra também é dividida em três partes), Os Símbolos, Os Avisos e Os Tempos, cada respectiva parte dividida em três, cinco e três poemas.
Ø  Análise estilística do poema
1.      A estrutura está composta em 2 quartetos. Primeiro e terceiro verso da terceira estrofe têm 12 sílabas, o segundo e o quarto 6. Na segunda estrofe o esquema éigual exceto o quarto verso, que tem 8 sílabas.
2.      Esquema ritmico: rima cruzada, de ritmo irregular.
3.      Número de versos: Oito ao todo.
4.      Observações: O discurso encontra-se em primeira pessoa, o poeta utiliza-se de metáforas (por exemplo: “na hora adversa); uso de hipóstase (homem transforma-se em Deus); uso de repetições (por exemplo: expressas ou implícitas) a Deus; segunda estrofe em forma de interrogação e respos ta; oposição entre a primeira estrofe (passado) e a segunda (presente e futuro), que tem por mediador o “sonho”, que já tratamos anteriormente; uso de polissíndeto e redundâncias.
            Como visto, Pessoa inicia com a epígrafe “Paz in excelesis” que é traduzida como “Paz nas alturas”, que pode ser compreendida como “A paz suprema”, que faz-se menção/lembra a uma passagem bíblica onde Cristo entra em Jerusalém e esse frase ganha o sentido de “A paz suprema” por estar com Cristo. Uma clara referencia de D. Sebastião era visto como o “Messias” português, que viria para “salvar” o reino do atual poder. Afinal, não importa se ocorreu a morte, o regresso aconteceria, justificando o Sebastianismo, mencionado acima.
Ø  Análise da primeira estrofe
'Sperai! Cai no areal e na hora adversa
Que Deus concede aos seus
Para o intervalo em que esteja a alma imersa
Em sonhos que são Deus.
            Na primeira estrofe fala da morte de D. Sebastião, que ao pedir um tempo na batalha, cai na areia morto.  E na hora adversa, a hora de sua morte.
            Podemos contextualizar segundo as narrativas da Batalha de Alcácer- Quibir, pouco antes da sua morte nos areais do Marrocos, o Rei terá dito estas palavras: “morrer, sim, mas devagar”. Pode ser o “Sperai!” de Pessoa uma interjeição que lembre os últimos momentos do Rei, porque ele “cai no areal e na hora adversa”.
            A “hora adversa” é a hora da morte, “que Deus concede aos seus”.
            A morte é vista por Pessoa como um momento transitório: “o intervalo” em que está “imersa/Em sonhos que são Deus”. Não é portanto um estado permanente, sem retorno, mas apenas uma transição, uma passagem da vida que conhecemos para outra vida futura.
            Essa possibilidade coincide muito com a teoria da metafísica da metempsicose ou transmigração da alma de um corpo para o outro, depois da morte. A alma espera transitoriamente no reino dos mortos, para ocupar mais tarde outro corpo.
Ø  Análise da segunda estrofe
Que importa o areal e a morte e a desventura
Se com Deus me guardei?
É O que eu me sonhei que eterno dura
É Esse que regressarei.
            A alma do Rei D. Sebastião está guardada, o rei virou mito e o mito regressará. Para quem acredita na imortalidade da alma, a morte não tem significado. Por isso Pessoa diz: “que importa o areal e a morte e a desventura”. A alma, a essência, permanece, guardada em Deus.
            Isso não quer dizer que, o próprio Rei permanece igual. O que permanece é mais do que apenas a figura do Rei, que é humana. Pessoa fala-nos da essência dos seus atos e da sua coragem – o seu mito: “O que eu me sonhei” é que eterno dura.
            Divinizada não é a figura de D. Sebastião, mas sim a importância renovadora do seu mito. O mito injetará nova vida no que esta morto (o corpo de Portugal) e é “Esse” que regressará.
QUARTO
AS ILHAS AFORTUNADAS
Que voz vem no som das ondas
Que não é a voz do mar?
É a voz de alguem que nos falla,
Mas que, se escutamos, cala,
Por ter havido escutar.

E só, meio dormindo
Sem saber de ouvir ouvimos,
Que ella nos diz a esperança
A que, como uma criança
Dormemente, a dormir sorrimos.

São ilhas afortunadas,
São terras sem ter logar,
Onde o Rei mora esperando.
Mas, se vamos dispertando,
Cala voz, e ha só o mar.
Ø  Análise estilística do poema
1.      Métrica: 3 Quintilhas, versos em redondilha menor (7 sílabas).
2.      Esquema rítmico: rima em esquema abccb (presença de um verso branco no início de cada estrofe)
3.      Número de versos: 15.
4.      Observações gerais: O discurso está na 3ª pessoa, estrutura do poema como um enigma (interrogação nos dois primeiros versos e revelação nos restantes); uso de metáforas (o próprio título do poema pode ser considerado uma); uso de opositores e paradoxos (por exemplo: “se escutarmos, cala”).
            “D. Sebastião voltará, diz a lenda, por uma manhã de névoa, no seu cavalo branco, vinda a ilha longínqua onde esteve esperando a hora da volta”, escreve Fernando Pessoa num texto que presumivelmente seria para fazer parte de um livro intitulado “Sebastianismo”.
            Se a lenda tem o seu valor, Pessoa aparece neste poema desvalorizá-la enquanto elemento potenciador de per se. Veja-se que no poema anterior, D. Sebastião é “O desejado”, ou seja, depois de morto uma nação perdida deseja o seu regresso. Como se vai operar esse regresso? É esta a pergunta que Pessoa agora começa a responder mais concretamente.
            Pessoa inicia desmistificando. Não haverá um regresso da ilha, como na lenda, porque isso é uma crença popular sem sentido, alegórica, mas não simbólica.
Ø  Análise da primeira estrofe
Que voz vem no som das ondas
Que voz se ouve na distância.
Que não é a voz do mar?
Que não é o som do mar.
É a voz de alguem que nos falla,
É a voz de um homem.
Mas que, se escutamos, cala,
Mas incompreensível.
Por ter havido escutar.
Porque não entendemos agora.
            Veja-se com que sutileza Pessoa usa a ironia na análise da lenda, e simultaneamente no contraponto a todos os que acreditavam realmente que o rei iria regressar igual, humano, a cavalo, incólume. “Que voz vem no som das ondas/ Que não é a voz do mar?” ou seja, que voz se ouve sem ser o som das ondas? É certamente uma voz, uma presença, “mas que, se escutarmos, cala,/ Por ter havido escutar”, ou seja, é uma voz que fala, mas que não quer ser ouvida.
            O que é uma voz que fala mas que não quer ser ouvida, senão um mistério? Um mistério não pode ser encarado como realidade comum. O mistério “fala”, mas fala por símbolos e revela-se pelo sofrimento.
Ø  Análise da segunda estrofe
E só, meio dormindo
Só se meio a dormir estivermos, sem a atenção completa.
Sem saber de ouvir ouvimos,
Sem estarmos conscientes de estamos a ouvir.
Que ella nos diz a esperança
Ouvimos então a voz da esperança.
A que, como uma criança
Que surge como uma criança.
Dormemente, a dormir sorrimos.
Uma criança que dorme e sorri, mas sempre sem ouvir.
            Desistir de procurar, é uma submissão ao Destino. Ao mesmo tempo a mais difícil e a mais nobre atitude humana, porque se por um lado humilha a liberdade, por outro abençoa a compreensão oculta. “As almas fortes atribuem tudo ao Destino, só os fracos confiam na vontade própria”. Acreditava o poeta.
            Esta segunda estrofe diz tudo isto de uma maneira quase que infantil. “Meio dormindo (...) sem saber (...) ouvir ouvimos/ Que ela nos diz a esperança/ A que, como uma criança / Dormemente, (...) sorrimos”. “Ela” é a “voz” da primeira estrofe. É essa voz que, se na primeira estrofe não era compreendida, porque alguém se esforçara para a ouvir, agora se revela, por já não haver esse esforço, mas sim submissão, sofrimento.
            É “meio dormindo” que o mistério se insinua na nossa compreensão de “criança dormente”. Nem se deve falar em compreensão, mas sim intuição, instinto. Compreendemos mas sem saber que o fazemos, e por isso “a dormir sorrimos”.
Ø  Análise da terceia estrofe
São ilhas afortunadas,
São ilhas mágicas.
São terras sem ter logar,
São terras sem ter lugar.
Onde o Rei mora esperando.
Onde D. Sebastiãoespera.
Mas, se vamos dispertando,
Mas se formos ver na realidade.
Cala voz, e ha só o mar.
Não há nada, só mar.
            Pessoa desenha uma conclusão simples: as ilhas afortunadas não existem, senão em devaneios, nas lendas simplistas das almas simples.
            Mas não é um corte tout-cour com a lenda. Existe uma voz distante, que nos fala de “esperança”. Só que essa voz não reside em nenhuma ilha material, e se tentarmos escutá-la, ela cala-se, porque é um mistério.
            Quem quer o regresso do rei de maneira material – quem espera o mesmo rei – tem aqui um poderoso aviso (ou pré-aviso). Outros “Avisos” virão de seguida mais concretos. Certo é que Pessoa é implacável e inamovível na sua convicção: D. Sebastião regressa símbolo, não carne.
            As ilhas afortunadas, essas são “terras sem ter lugar”, que, “se vamos despertando (...) há só mar”, nada mais. Não cabem estas ilhas na realidade, apenas no sono irreal, e no sono a “voz” insinua-se de outras maneiras.
QUINTO
NEVOEIRO

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer-
Brilho sem luz e sem arde;
Como o que o fogo-fatuo encerra.

Ninguem sabe que coisa quer.
Ninguem conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que bem.
(Que ancia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

É a Hora!
Valete, Frates.
Ø  Análise estilística do poema
1.      Métrica: 1 Sextilha, 1 séptima e 1 verso isolado. Versos octossilábicos, com exceçao do verso isolado que tem apenas 3 sílabas.
2.      Esquema rítmico: Rima em esquema ababba (sextilha) e avvcddd (séptima). O verso isolado rima com o quarto verso da séptima.
3.      Número de versos: 14.
4.      Observações: Uso de antropomorfização; uso de metáforas (por exemplo “fulgor baço) e símiles (“Como o que o fogo-fátuo...”), reforçando o sentimento de dispersão; uso de negatividade; divisão do poema em duas partes (1º estrofe fala da pessoa coletivo, a 2º da individual); uso de anáforas e antíteses (por exemplo “nem”); uso de paradoxos (por exemplo a frase entre parêntesis na 2ª estrofe); uso de apóstrofe (“Valete Fratres”).
            Fernando Pessoa termina a Mensagem com o poema “Nevoeiro”, quinto poema dos “Tempos” Catorze versos – como as catorze estações da cruz.
            Na simbologia por nós proposta, de cinco “Tempo” – cinco Impérios, será este poema, o que representa o Quinto Império, O Império Espiritual, como já tratamos anteriormente.
            Do último poema, espera-se um voluptuoso e majestoso final, porque afinal Pessoa exalta o poder futuro ainda por acontecer, exorta à ação e à esperança. Mas na realidade não podíamos estar mais longe de uma tal apoteose.
            Coerente, como sempre, o poeta não deixa para as últimas palavras nada que não seja dito em todas as páginas anteriores. Mensagem fecha-se sobre si própria e quando no seu fim, parece relembrar a vontade do novo início. Sobretudo deixa a sensação de todo, de projeto global, que é dividido em partes, mas sem que essas partes só existam quando ligadas entre si.
            “Nevoeiro” é assim um poema velado, triste mesmo quando imperativo, como o próprio Fernando Pessoa. Não é o momento de lirismo simples, nem evoação linear do passado. É um poema de hora marcada para nascer o Novo Sol (que destruirá o “Nevoeiro”).
Ø  Análise da primeira estrofe
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Nem governante nem leis, nem tempos de paz ou de conflito.
Define com perfil e ser
Podem definir a verdade emanação – essência.
este fulgor baço da terra
no que no presente é de um fulgor triste.
Que é Portugal a entristecer-
Portugal a entristecer -
Brilho sem luz e sem arde;
Vida exterior sem luz intensa, sem fogo de paixão e vontade.
Como o que o fogo-fatuo encerra.
Como as luzes do fogo-fátuo (que surge dos materiais em decomposição).
            Pessoa começa – numa análise macroscópica – por caracterizar o momento do país. E vê-o tão desesperado que “nem rei nem lei, nem paz nem guerra” o “definem com perfil e ser”. Ou seja, o país está tão sem alma, sem originalidade, nenhum governante, nenhuma mudança pela força, o poderá regenerar verdadeiramente.  Continuará a ser “fulgor baço da terra”, um “Portugal a entristecer”.
            Na vida, certamente. Há quotidiano, quem enriqueça, quem faça uma vida, cresça, tenha família e morra. Mas toda a vida sem sentido é como “brilho sem luz e sem arder”. É mais ainda, é pior, é “como o que o fogo-fátuo encerra”, ou seja, é aparência de brilho (vida exterior), mas sem luz interior (vida interior). Quem vive assim, não vive sobrevive – ambiciona, procria e morre. Para Pessoa é claro que o brilho de uma vida assim como o fogo-fátuo, que é um brilho que sai dos cemitérios e dos pântanos, brilho artificial e podre, apagado, próprio dos corpos mortos e decompostos.
            É um triste quadro o que nos pinta Pessoa e, de certa maneira, um quadro intemporal para um país que sempre se queixa das mesmas maleitas. Não é de estranhar que Pessoa, levado pela sua imaginação, talento e cultura, queria desenha uma saída deste marasmo social e intelectual. Mas uma saída sem “rei nem lei, nem paz nem guerra”, ou seja, uma solução de infinito, de eternidade, que não seja transitória. Será o seu início o modernismo, como corrente literária, mas não só.
Ø  Análise da segunda estrofe
Ninguem sabe que coisa quer.
Os portugueses não sabem o que verdadeiramente querem.
Ninguem conhece que alma tem,
Não conhecem a sua alma – o seu Destino.
Nem o que é mal nem o que bem.
Nem para o bem, nem para o mal.
(Que ancia distante perto chora?)
Adivinha-se, no entanto, uma ânsia neles, uma ânsia de querer.
Tudo é incerto e derradeiro.
Mas tudo é incerto, difuso, morte.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Tudo em Portugal é parcial, não há vontade de erguer, nada.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
Portugal é no presente como o nevoeiro.
É a Hora!
            Segue-se uma análise microscópica, de pormenor. Depois de ver o “Nevoeiro” como um todo, Pessoa analisa-o partícula a partícula.
            Mas é esta uma exortação ou uma elegia? Pessoa não se limita, fala a fundo dos males que sente serem os males de um país. É uma visão de alguém que, sendo português de nascimento, traz também uma perspectiva de estrangeiro. Mas se faça a comparação, novamente deve o poeta chamar a atenção para o corpo morto de Portugal, para que esse corpo se possa erguer, conhecer a razão mais alta do seu sofrimento.
            É um país perdido. Onde “ninguém sabe que coisa querer”, onde “ninguém conhece que alma tem”, sem noção nem do que “é mal nem o que é bem”. Uma sociedade amoral, desligada dos mais altos valores, da nacionalidade, do espírito de unidade religiosa, sobretudo da irmandade. No entanto, há uma esperança tênue: “ânsia distante” que “perto chora”. Será que no íntimo de cade um reside um desejo distante de mudança?
            Mas é tudo tão “incerto e derradeiro”, “disperso”. “Nada é inteiro”. Tal o desespero na análise que Pessoa deixa-se finalmente a uma interjeição dolorosa: “Ó Portugal, hoje és nevoeiro...”
Ø  Análise da linha da terceira estrofe
É a Hora!
É o momento de surgir o Quinto Império, a Nova Vida.
            Depois de duas estrofes mortas, soturnas, Pessoa faz a sua última exortação, gritando de peito cheio de ar, ao infinito: “É a Hora!”.
            A “Hora” é fim da Obra que se vem descrevendo. Não se percebe – porque é em rigor ainda um mistério – que hora será, se hora humana ou hora divina, mas certamente é uma hora certa, inevitável.
            Esta “Hora” de Pessoa é também uma realidade por consumar. Isto porque Pessoa clama por um momento que – em verdade- será impossível de acontecer sem que ele o anuncie – eis o paradoxo. Por isso a “Hora” é também o momento em que Pessoa é lido até ao fim, quando se conclui a leitura da Mensagem, do plano de Pessoa para regenerar Portugal.
            Com esta frase final, Pessoa “foi-se”, como o “monstrengo servo”, deixando aos leitores a tarefa imaterial de revelar em cada um de nós os mistérios que ele anunciou. Para que em casa um de nós brilhe aquele relâmpago, faísca divina, que nos tira da vil noite na direção do Novo Dia.
            A mensagem de Mensagem é essa: procurar no íntimo a razão que ilumina a vida que vale a pena ser vivida. Incrivelmente – ou talvez não- é uma mensagem positiva/otimista.
            Uma derradeira pista, como um eco que se distancia, é deixada: um Valete Fratres!, um Adeus Irmãos!, sincero como um forte aperto de mão, um abraço quente.
Conclusão
            Portanto, foram analisados dez poemas da obra Mensagem, de Fernando Pessoa. Cinco da Primeira Parte: Brasão, dois da Segunda Parte: Mar Português e três da Terceira Parte: O Encoberto. Na primeira parte, intitulada de Brasão, o poeta trata do passado glorioso da Nação Lusitana, desde sua formação até o que houve de mais digno no período de glória portuguesa. A segunda parte, Mar Portuguez, destina-se às conquistas da nação advindas da expansão marítima. O Poeta canta, diante disso, a ação humana de conquistar o mundo pela navegação e exploração marítima. Partindo para outro nível da realidade lusitana, encontra-se a última parte da obra, O Encoberto.  Nesta parte, Pessoa não trata de uma realidade material, mas de um futuro vindouro que se concretizará com o retorno de D. Sebastião.
            Todo esse sacrifício valeu a pena, pois Portugal conquistou os mares e hoje ainda existem os frutos dessa época: converteram-se um milhão de falantes da língua portuguesa em mais de 250 milhões atuais e espalhou-se a cultura portuguesa, assim como foram trazidas culturas de outros continentes para a Europa. Tudo isso possibilitou o começo da realidade que vivemos hoje: globalização. Mas isso não é tudo. Ainda falta a missão espiritual.
            Por fim, mensagem visa mover a força portuguesa a constituir um perfeito Império espiritual, ligado pela Língua Portuguesa, que teria como finalidade a construção da Paz universal, o tal “QUINTO IMPÉRIO”, o levantamento de um “super Portugal”, já anteriormente vaticinado pelo Padre Vieira, assente na nossa língua e cultura, a unir o mundo, não a separá-lo! E não esqueçamos Bernardo Soares, o semi-heterônimo de Pessoa, que afirmava: “A minha Pátria é a Língua Portuguesa!” Para Pessoa, a missão dos portugueses não está cumprida e a conquista do poder dos oceanos não foi suficiente.

”Custa-me imaginar que alguém possa, um dia, falar melhor de Fernando Pessoa que ele mesmo. Pela simples razão de que foi Pessoa quem descobriu o modo de falar de si, tomando-se sempre por um outro. E como os deuses lhe concederam um olhar imparcial como a neve, o retrato que nos devolve do fundo do seu próprio espelho brilha no escuro, como uma lâmina.” - Eduardo Lourenço.
Bibliografia:
Coelho,António Pina. Os Fundamentos Filosóficos da Obra de Fernando Pessoa, 2 volumes, Verbo, 1971.
Pessoa, Fernando. Mensagem, poemas esotéricos edição crítica de José Augusto Seabra. Madrid, Paris, México, Buenos Aires, São Paulo, Rio de Janeiro, Lima. ALLCA XX (Edições Unesco), 1996.
PESSOA, Fernando. Mensagem. Organizado por Fernando Cabral Martins. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
Azeredo, José Carlos. Gramática Houaiss da Língua Portuguesa. Editora Publifolha, São Paulo,2008.
Tese:
Hipólito, Nuno. As mensagens da mensagem. 2007-2010.
Sites:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Bras%C3%A3o_de_armas_de_Portugal
http://pt.wikipedia.org/wiki/Batalha_de_Ourique
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/pe000004.pdf
http://lusibero.blogspot.com.br/2012/01/fernando-pessoa-estudo-resumido-de.html
http://www.tabacaria.com.pt/mensagem/MarPortugues/infante.htm
Infante D. Fernando (1402-1443). In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2013. [Consult. 2013-01-26].
Disponível na www: <URL: http://www.infopedia.pt/$infante-d.-fernando-(1402-1443)>.

http://novosnavegantes.blogs.sapo.pt/19597.html
http://casafernandopessoa.cm-lisboa.pt/
http://www.arqnet.pt/dicionario/fernandoinf6.html


http://faltacumprirportugal.blogs.sapo.pt/40781.html